A fala do ex-presidente dos Estados Unidos (EUA) Donald Trump, de que teria “tomado a Venezuela” e “pego todo o petróleo” caso tivesse sido reeleito revela os interesses econômicos e políticos do país norte-americano em relação à Venezuela, avaliam especialistas ouvidos pela Agência Brasil.
Durante um comício na Carolina do Norte nesse final de semana, Trump comentou sobre a política externa do governo dele em relação à Venezuela. “Quando eu saí [da Presidência], a Venezuela estava pronta para entrar em colapso. Teríamos tomado [o país] e pego todo aquele petróleo que está bem na vizinhança. Mas agora estamos comprando petróleo da Venezuela”, diz.
A partir de 2017, o governo de Donald Trump adotou uma política que ficou conhecido como de “máxima pressão” contra a Venezuela. Apesar de as primeiras medidas coercitivas unilaterais (as chamadas sanções econômicas) terem sido implementadas ainda durante o governo de Barack Obama, em 2015, foi somente durante a gestão de Trump que as sanções visaram ao conjunto da economia, com a restrição de acesso ao crédito estadunidense, em agosto de 2017, e a proibição do comércio de petróleo, em janeiro de 2019.
No plano discursivo, a Casa Branca alegou que as medidas visavam “trocar o regime” político do país caribenho com objetivo de promover a democracia e os direitos humanos, uma vez que Washington considera o governo de Nicolás Maduro uma ditadura.
A professora do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Camila Feix Vidal destaca que o uso da democracia faz parte de uma estratégia da política externa dos EUA para dar uma justificativa moral para intervenções e ações que têm um interesse material por trás.
“A própria instituição organizada para isso é o NED [National Endowment for Democracy]. Ela é um exemplo claro do uso da democracia para justificar uma política externa para determinado país. O NED foi feito para defender a democracia, com recursos aprovados pelo Congresso. Foi criado pelo [ex-presidente Ronald] Reagan para atuar no ambiente externo depois que o uso da CIA vinha sendo questionado. Se cria uma instituição com o fim moral e legítimo de promover a democracia quando, na verdade, se faz uso de ações para desestabilizar determinados governos, inclusive eleitos democraticamente, que não são subservientes ao governo estadunidense”, explica a professora que estuda as intervenções dos Estados Unidos em toda a América Latina e o Caribe.
Segundo a professora da UFSC, além dos interesses econômicos, como o petróleo, existe o fator geopolítico. “Claro que o petróleo é de importância para os EUA, mas eu diria que o foco principal é a manutenção hegemônica dos EUA na América Latina. Eles têm que continuar dirigindo a região e continuar influenciando e persuadindo governos a terem uma relação amistosa e subserviente a essa classe dominante estadunidense. Quem não participa desse jogo sofre as consequências”, analisa Camila Vidal.
O sociólogo Raphael Seabra, professor do Departamento de Estudos Latino-Americanos (ELA) da Universidade de Brasília (UnB), opina que a fala de Trump serve para escancarar a política externa dos EUA em relação à América Latina. “Não há defesa real da democracia, de direitos humanos, da segurança alimentar das populações, da saúde, ou algo do gênero. A preocupação é a de sempre: uma área de reservas estratégias, com muitos recursos naturais e que se empobrece a população ao máximo que pode para gerar um descontentamento e derrubar um governo”, analisa o professor.
O economista venezuelano Francisco Rodríguez, crítico dos governos chavistas e da política de “máxima pressão” de Donald Trump, comenta que a fala do ex-mandatário estadunidense “parece confirmar a versão do seu ex-assessor John Bolton, segundo quem Trump condicionou o reconhecimento de Juan Guiadó a uma promessa de acesso preferencial ao petróleo venezuelano”.
Diretor e fundador da organização não governamental (ONG) Oil for Venezuela, que propõe soluções para a crise humanitária venezuelana, Rodríguez escreve sobre os impactos econômicos e sociais das sanções contra o país caribenho. Ele citou o livro The Room Where It Happened do ex-assessor de Trump, John Bolton. Na publicação, Bolton diz que Guaidó teria prometido acesso prioritário aos campos de petróleo venezuelanos para os Estados Unidos em detrimento da China e da Rússia.
Em janeiro de 2019, o então deputado opositor Juan Guiadó se autoproclamou presidente da Venezuela, tendo sido reconhecido por diversos países, incluído, na época, União Europeia, Brasil, Peru, Argentina, Chile, entre outros.