O ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), rejeitou hoje a ação de teor golpista apresentada pelo PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, que pedia a anulação de votos em mais de 279 mil urnas no segundo turno das eleições.
O ministro ainda fixou multa de cerca de R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé e determinou a suspensão do fundo partidário dos partidos que integram a coligação Pelo Bem do Brasil, de Bolsonaro. Além do PL, Republicanos e PP também integram a coligação.
O processo foi apresentado ontem com base em um relatório sobre suposta “falha” em cinco dos seis modelos de urnas usadas na votação —algo que foi prontamente rebatido por especialistas consultados pelo UOL Notícias e pelo próprio TSE.
Moraes mandou ainda a Corregedoria-Geral Eleitoral instaurar um procedimento administrativo de eventual desvio de finalidade. A apuração vai mirar “possível cometimento de crimes comuns e eleitorais” referentes às condutas de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, e de Carlos Rocha, engenheiro responsável pelo Instituto Voto Legal, que elaborou o relatório que baseou a ação do PL.
O ministro também mandou incluir os dois no inquérito das milícias digitais, em tramitação no STF (Supremo Tribunal Federal).
Em nota, o PL disse que já acionou a assessoria jurídica para analisar a decisão de Moraes. “O partido reitera que apenas seguiu o que prevê o artigo 51 da Lei Eleitoral que obriga as legendas a realizar uma fiscalização do processo eleitoral”, disse. O Republicanos e o PP, que integram a coligação Pelo Bem do Brasil, ainda não se manifestaram.
“Esdrúxulo e ilícito pedido”. Na decisão, Moraes afirma que o PL não apresentou dados que demonstrassem que as supostas “falhas” teriam ocorrido no primeiro turno e que as informações eram necessárias por uma questão de “coerência”. O ministro diz que somente “ignorância, o que não parece ser o caso” ou “evidente má-fé” levaria o partido a alegar que os resultados das urnas estariam prejudicados.
“A total má-fé da requerente em seu esdrúxulo e ilícito pedido, ostensivamente atentatório ao Estado Democrático de Direito e realizado de maneira inconsequente com a finalidade de incentivar movimentos criminosos e anti-democráticos que, inclusive, com graves ameaças e violência vem obstruindo diversas rodovias e vias públicas em todo o Brasil, ficou comprovada, tanto pela negativa em aditar-se a petição inicial, quanto pela total ausência de quaisquer indícios de irregularidades e a existência de uma narrativa totalmente fraudulenta dos fatos”, disse Moraes.
“Os argumentos da requente, portanto, são absolutamente falsos, pois é totalmente possível a rastreabilidade das urnas eletrônicas de modelos antigos ” Alexandre de Moraes, presidente do TSE.
Na decisão, Moraes reafirmou que a Justiça Eleitoral continuará a atuar com “coragem” para lutar contra “forças que não acreditam no Estado Democrático de Direito” e disse que partidos políticos, como o PL, não podem usar de verbas partidárias para “satisfazer interesses pessoais antidemocráticos”.
“Os Partidos Políticos, financiados basicamente por recursos públicos, são autônomos e instrumentos da Democracia, sendo inconcebível e inconstitucional que sejam utilizados para satisfação de interesses pessoais antidemocráticos e atentatórios ao Estado de Direito, à Justiça Eleitoral e a soberana vontade popular de 156.454.011 (cento e cinquenta e seis milhões, quatrocentos e cinquenta e quatro mil e onze) eleitoras e eleitores aptos a votar”, disse Moraes.
Primeiro turno. Moraes já havia cobrado ontem mesmo, em uma decisão a jato, que o PL apresentasse dados que comprovem suposta falhas também no primeiro turno das eleições. Isso porque as mesmas urnas questionadas pelo partido foram usadas nos dois turnos da votação, mas o PL só questionou votos na disputa presidencial.
No primeiro turno, o PL elegeu uma ampla bancada no Congresso com 99 deputados federais e oito senadores.
Mais cedo, o partido manteve o pedido restrito somente ao segundo turno com o argumento que estendê-lo para toda a votação causaria “grave tumulto”.
“Estender a verificação extraordinária pretendida também para o primeiro turno parece ser medida açodada, especialmente porque, como efeito prático, traria a própria inviabilidade da medida ora pretendida, em razão da necessidade de fazer incluir no polo passivo da ação todos os milhares de candidatos que disputaram algum cargo político nessas eleições, bem como seus Partidos, Coligações e Federações”, alegou o PL.
Ao responder à cobrança de Moraes, o PL não mencionou o fato de que ambos os equipamentos foram usados no primeiro e no segundo turno, o que, em tese, demonstraria que se houve problemas em uma rodada de votação, também teria ocorrido na anterior.
Questionado hoje (23) por jornalistas, o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, alegou que os técnicos do partido “não pegaram” as “falhas” no primeiro turno.
Após pedir anulação de votos, Valdemar diz não buscar nova eleição
Valdemar negou que busque nova eleição ou impedir a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), apesar de pedir a anulação de votos no segundo turno.
“Não se trata de pedir outra eleição, não tem sentido. É um negócio que envolve milhões de pessoas. Porque um cidadão que teve 200 votos, ele tem que participar do processo […] Então é uma loucura, só o PL tinha 2 mil candidatos. Imagino que os outros partidos também. E além de atingir governadores, senadores”, afirmou.
Bolsonaro articulou documento golpista. Como mostrou a colunista do UOL Notícias Thais Oyama, o presidente Jair Bolsonaro teria pressionado o PL a divulgar o documento de teor golpista, anunciado ontem pelo presidente do partido, Valdemar da Costa Neto, e seu advogado, Marcelo Bessa.
Durante a coletiva, Bessa afirmou, sem provas, que as supostas “falhas” não permitiriam atestar o resultado das urnas.
Partiu ainda de Bolsonaro a ordem para que o evento de divulgação do relatório golpista fosse transmitido ao vivo pelas redes sociais do PL —de forma que pudesse ser replicado simultaneamente pelas redes bolsonaristas.
Sem fundamentação. O PL alega suposta falha nos chamados “logs de urna” – registros com dados dos equipamentos – em cinco dos seis modelos usados na última eleição, por isso os votos computados nessas urnas deveriam ser anulados.
Para o PL, a suposta “falha” é “gravíssima” e não permitiria a identificação das urnas e a auditoria dos dados compilados nos equipamentos. Isso não é verdade, segundo o TSE. Ao UOL Notícias, o tribunal informou que é possível fazer a rastreabilidade das urnas por meio de outros dados.
Especialistas consultados pelo UOL Notícias também dizem que as falhas apontadas pelo partido não alteram o resultado das eleições.
“Adicionalmente, os arquivos gerados pelas urnas contêm outros dados que podem identificar cada urna univocamente, garantindo total rastreabilidade, quais sejam: o código da correspondência (no qual o ID da urna é um dos componentes usados para o cálculo) e os identificadores das mídias de carga e de votação utilizados na respectiva urna”, disse o TSE.
Essas informações, somadas a assinatura digital de cada urna com chave própria e exclusiva nos arquivos, garantem que uma análise individualizada de cada arquivo de log permitirá identificar sua origem de forma inequívoca – Tribunal Superior Eleitoral.
O pedido do PL é para que o TSE anule os votos proferidos em todos os modelos de urna em que alegam ter ocorrido a suposta falha. Isso significa invalidar 279 mil urnas —quase 60% do total usado nas eleições. Nesse cenário, com as urnas que sobrarem, Bolsonaro venceria Lula, mas só com a exclusão de votos proferidos ao petista.
A ação do partido toma como base um relatório produzido pelo Instituto Voto Legal, do engenheiro Carlos Rocha. Em setembro, o mesmo instituto produziu um relatório questionando a segurança das urnas. As conclusões do documento foram classificadas pelo TSE como “falsas e mentirosas, sem nenhum amparo na realidade”.
Fonte: Uol