O Atlético-MG troca passes com facilidade porque busca ter superioridade numérica em todos os setores do campo. Quando chega na frente, é o homem livre que conduz a bola até os atacantes e arma os gols. Entenda os dois conceitos com ilustrações e imagens.
Um time que não renuncia o ataque, faz muitos gols e é capaz de tornar qualquer jogo minimamente emocionante. Esse é o Atlético-MG, o líder do campeonato que deu carta branca para Jorge Sampaoli colocar as ideias que fizeram sucesso no Santos e vem colecionando gols – foram 10 só nas últimas partidas, contra Grêmio, Atlético-GO e Vasco.
De todas as ideias que Sampaoli tem sobre futebol, duas se destacam como as mais importantes para entender o gosto pelo futebol ofensivo: o conceito de superioridade numérica e de homem livre.
Superioridade numérica a partir do goleiro
Faça um exercício antes de qualquer jogo do Galo: imagine o campo recortado em três pedaços. O primeiro é o campo de defesa, com os goleiros e zagueiros. O segundo é o meio-campo. E o terceiro é o ataque. Sampaoli entende futebol apenas dessa maneira. Para ele, é preciso SEMPRE ter mais jogadores que o adversário em duas fases: a defesa e o ataque. Pense no campinho abaixo…ele acontece em todos os jogos sob o comando do argentino.
Essa superioridade numérica tem um motivo bem simples: fazer o jogador trocar passes sem se preocupar com a marcação. É uma questão lógica: se em determinado espaço o Galo tem três jogadores e o adversário só marca com dois, vai sobrar sempre um para ser a ajuda, para receber a bola se algo dá errado. A superioridade numérica tem o intuito de tornar a roubada de bola impossível pelos adversários.
É por isso que Guga se transforma numa espécie de volante com a bola, função que Arana também fez. Lá no início essa movimentação gerou alguns ruídos, muito pelo conservadorismo que ainda reina ao entender o jogo. Mas veja que, quando você entende a lógica, tudo faz muito sentido. O importante é ter mais jogadores que o adversário para que ele não consiga marcar. Assim, os três defensores conseguem dar um passe para frente sem dor de cabeça, sem pensar muito. Na imagem abaixo, Réver sabe que Jair estará à sua frente e pode tocar sem medo de errar.
A estrutura tática do Atlético-MG é diretamente responsável por algo que todo fã de futebol valoriza: velocidade. Já percebeu que o Atlético-MG ataca muitas vezes? Que chega com poucos passes ao gol? Porque há sempre mais gente que o adversário. É uma verdadeira aula de matemática: se o adversário marca com um, então o Galo faz uma saída com dois jogadores. Se marca com dois, faz com três. E se marca com três (o que ainda não aconteceu)? O Galo certamente fazia uma saída de quatro.
Pontas “pulsantes” também obedecem a ideia de superioridade numérica
Keno é uma das contratações mais badaladas do Galo, e assim como Savarino, vem jogando muito. Eles também obedecem a ideia de superioridade numérica. Ao buscarem sempre a linha de fundo, eles dão espaço para que Sasha, Marrony e Nathan preencham o centro do campo e fazem o Galo atacar sempre com uma linha de cinco jogadores. Por que cinco? Porque a maioria dos times no mundo se defende com dois zagueiros e dois laterais.
Agora vem uma coisa bem importante sobre a superioridade numérica: ela aumenta a probabilidade do adversário errar. O elemento mais importante do jogo é a bola. Quando um time se defende, ele naturalmente se atenta mais à duas coisas: o adversário com a bola e a zona do campo em que ela está. Como a ideia é retomar a posse, geralmente dois ou até três jogadores correm na mesma direção e tentam tirar espaço de quem joga, criando desigualdade numérica em algum setor.
É o que acontece no lance do gol. O Vasco se posiciona com 6 jogadores. O Atlético tem cinco e Arana chegando lá de surpresa. É um momento de igualdade numérica quando o cruzamento é feito.
Só que Nathan, o receptor da bola, atrai a atenção de Miranda e Andrey. É um desequilíbrio no conta. Agora são 6 do Galo contra 4 do Vasco e mais 2 na bola. Alguém ficará livre, e é justamente Arana, quem estava atrás de Nathan, que recebe a bola e faz o gol completamente livre de marcação. Foi mais um cruzamento para a área? Foi. Mas teve um plano por trás. Uma lógica que podia ou não ter resultado no gol, mas que tenta controlar um pouco do aleatório que é o jogo.
Entre as linhas espera o homem livre
Você já sabe que o Sampaoli quer que o Atlético tenha superioridade numérica na defesa e no ataque. Faltou uma parte aí…e o meio-campo? É aqui que entra o homem livre, um dos mais preciosos conceitos da escola do Jogo de Posição, da qual Sampaoli é um dos mais fiéis intérpretes. Legal observar que Domenec e Sampaoli são adeptos da filosofia, mas são extremamente diferentes entre si.
O homem livre é quem fica livre após o Galo superar uma linha de marcação do adversário. É o cara que tá sem marcação quando alguém do lado oposto ficou para trás. É ele quem deve receber a bola. Sampaoli tem uma interpretação diferente de Guardiola, por exemplo, e gosta de confiar ao homem livre o papel de ligação: é quem leva a bola dos defensores até a linha de cinco no ataque,
O homem livre não é um jogador fixo. Ele varia dependendo da situação de jogo, ou do local onde a bola está em campo.
Naquela saída em losango, como o PVC disse na transmissão, normalmente quem ficava livre era Jair. E se o Jair estivesse marcado, como no lance abaixo? Guga deu alguns metros para cima no campo porque entende tão bem o conceito de homem livre que percebeu que o Galo precisava sair. Veja: ele se deslocou a um espaço vazio e na frente da linha de marcação. É ele o homem livre!
E após Guga receber a bola? Tudo muda. Os conceitos do jogo são mutáveis. Eles variam o tempo todo conforme a situação do jogo. O homem livre é quem está sem marcação, por isso depende muito de como o adversário se defende. Guga recebe a bola e o único que está atrás da segunda linha de marcação do Vasco é Nathan. Ele é o novo homem livre!
Homem livre e superioridade numérica estão o tempo todo se conversando. O mais importante na análise tática não é saber o nome técnico dos conceitos. Nem dizê-los para parecer inteligente. É entender como eles se relacionam no jogo!
Veja que aqui o Galo tem a tal da superioridade numérica no ataque: cinco no ataque contra quatro do Vasco. Mas a bola precisa chegar mais perto do gol, certo? Só vale ter superioridade pra atacar melhor. O que Sampaoli faz para chegar ao gol? Usa o conceito do homem livre. Então Savarino se desloca até ficar nas costas da defesa e se torna, assim, o homem livre que deve receber a bola.
A mistura de todas essas ideias envolve o adversário de uma forma que ele não consegue se defender.
- Se pressiona na frente, o Galo cria superioridade e sai com facilidade
- Se defende bem atrás, o Galo usa os pontas e vai criando espaço para quem chega atrás
- Se fecha o meio, o homem livre tenta solucionar se movendo o tempo todo
Um dos times que mais conseguiu igualar a disputa com o Galo foi o Ceará, que fez ótimo primeiro tempo na derrota por 2 a 0 no Mineirão. Nada funcionou naquele pedaço de partida. No intervalo, deu para ouvir Sampaoli gritando efusivamente com o grupo pedindo para que todo mundo passasse a bola a Hyoran. “Hyoran é o homem livre”, “Hyoran é o homem livre”.
Há muito mais o que falar sobre Sampaoli. Um bom jeito de começar é ver todos os jogos e muitos gols do líder Galo com duas coisas em mente: superioridade numérica e o homem livre.