LGBTfobia que chegou nas caravelas se enraizou com a colonização
“Índias há que não conhecem homem algum de nenhuma qualidade, nem o consentirão ainda que por isso as matem. Estas deixam todo o exercício de mulheres e imitam os homens e seguem seus ofícios, como se não fossem fêmeas. Trazem os cabelos cortados da mesma maneira que os machos e vão à guerra e à caça com seus arcos e flechas, perseverando sempre na companhia dos homens, e cada uma tem mulher que a serve, com quem diz que é casada, e assim se comunicam e conversam como marido e mulher”. O relato do português Pero de Magalhães Gândavo, de 1576, é um dos mais eloquentes registros da diversidade de gênero que havia nas terras que hoje são o Brasil, e também do choque cultural imposto pela colonização europeia e católica. Os portugueses também trouxeram em suas caravelas as normas de gênero e sexualidade vigentes na Europa, inclusive por meio do Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição, que previa pena de morte para o “pecado da sodomia”, equiparado aos mais graves crimes contra a Coroa. Em entrevista à Agência Brasil para marcar o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, celebrado nesta quarta-feira (17), pesquisadores apontam raízes coloniais nos crimes cometidos ainda hoje contra essa parcela da população brasileira. O trecho de Gândavo é destacado do livro histórico Tratado da Terra do Brasil pelo antropólogo Luiz Mott, no artigo História Cronológica da Homofobia no Brasil: Das Capitanias Hereditárias ao fim da Inquisição (1532-1821). Mott é pesquisador e ativista, professor da Universidade Federal da Bahia, fundador do Grupo Gay da Bahia, pioneiro na contabilização de crimes homofóbicos no Brasil e também responsável pelo resgate da história do indígena “Tibira do Maranhão”, classificado pelo antropólogo como a primeira vítima de LGBTfobia de que se tem registro no Brasil. Rio de Janeitro (RJ) – LGBTfobia que chegou nas caravelas se enraizou com colonização. – Desenho de indígena tupinambá feito pelo francês Jean de Léry. Os tupinambás foram considerados luxuriosos por franceses e portugueses. Gravura de livro de – Gravura de livro de Jean de Lér “Tão generalizada era a homossexualidade na Terra Brasilis, que os Tupinambá tinham nomes específicos para designar e identificar os\as praticantes dessa performance homoerótica: aos homossexuais masculinos chamavam de Tibira e às lésbicas de Çacoaimbeguira. Condutas radicalmente opostas ao ensinamento oficial da cristandade”, escreve Mott em seu estudo. Raiz violenta O antropólogo descreve que o cenário demográfico da colônia, em que os homens brancos são minoria absoluta se comparados aos indígenas e, depois, aos africanos escravizados, fez com que o controle social, incluídas aí as normas de gênero e sexualidade, precisasse ser ainda mais violento do que na Europa. O resultado disso foi uma “hipervirilidade”, que via qualquer atitude considerada não masculina partindo de um homem como ameaça odiosa a uma sociedade dominada por poucos homens brancos e cristãos. Para Mott, essa é a raiz das formas brasileiras que tomaram o machismo e a homofobia. “Um grupo tão diminuto, para manter subjugados todas as mulheres e todos os machos não brancos, tinha que ser muito violento, muito truculento. Tinha que saber usar o chicote, a bengala, a espingarda, para se defender dos oprimidos. O machismo aqui foi muito mais forte do que nas metrópoles, e a homofobia era um elemento fundamental da hegemonia do macho branco. O machismo, a misoginia e a homofobia são irmãs trigêmeas nessa sociedade marcada pela escravidão”. A violência dos europeus contra os nativos da América do Sul fica bem marcada no assassinato do indígena Tibira do Maranhão pelos franceses em 1614, ano em que ainda ocupavam uma parte do Norte e Nordeste do Brasil. Tibira era a forma como esse indígena era chamado pelos outros tupinambás, por seus trejeitos vistos como efeminados e por se relacionar com outros homens. Esse comportamento era normalizado entre os tupinambás, como narra de forma preconceituosa o empresário Gabriel Soares de Souza, em 1587, em Tratado descriptivo do Brasil: “são muito afeiçoados ao pecado nefando [relações homossexuais], entre os quais não se tem por afronta; e o que se serve de macho, se tem por valente, e contam esta bestialidade por proeza; e nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas”. Rio de Janeitro (RJ) – LGBTfobia que chegou nas caravelas se enraizou com colonização. – Em 1637, padre solicita o envio de portuguesas ao Pará, para evitar que nascesse “um grande mal” entre 200 soldados sem mulheres. Crédito: Memorial sobre as – Memorial sobre as terras e gente Já os capuchinhos franceses viram esses “pecados” como extrema ameaça, diz Mott, porque a missão francesa era composta apenas por homens. “Os capuchinhos eram os grandes líderes dessa expedição com 400 homens, e a tentação da sodomia era muito forte. E eles tinham a ideia de que a sodomia era um pecado tão forte que Deus mandaria castigos, e, por isso, queriam limpar a terra da sujeira da sodomia. Eles chamam o Tibira de cavalo, de lodo. E essa foi uma forma de evitar que a sodomia se alastrasse por uma sociedade que não tinha mulheres brancas”. A história da execução foi narrada pelo frei capuchinho Yves D’Évreux, que escreve: “levaram-no para junto da peça [um canhão] montada na muralha do forte de São Luís, junto ao mar, amarraram-no pela cintura à boca da peça, e o Cardo Vermelho lançou fogo à escova, em presença de todos os principais, dos selvagens e dos franceses, e imediatamente a bala dividiu o corpo em duas porções, caindo uma ao pé da muralha, e outra no mar, onde nunca mais foi encontrada”. Inquisição Luiz Mott explica que o método brutal e a execução pública tinham função de expurgar o pecado e avisar aos demais pecadores do destino que poderiam ter. Outro episódio catálogado pelo antropólogo, em Sergipe, se deu contra um jovem negro escravizado, açoitado até a morte, em 1678, pela suposição de que havia se relacionado com um homem conhecido como sodomita, que havia lhe presenteado com ceroulas. A execução foi determinada por seu “dono”. “A vergonha e a honra eram
Tecnologia 3D é usada para recuperar peças indígenas
A digitalização de peças arqueológicas vem permitindo que ceramistas do Pará produzam trabalhos em sintonia com a arte de antigas comunidades indígenas brasileiras. Um acervo em 3D – produzido por um estúdio belga – está disponível para consulta no Museu Emílio Goeldi, em Belém. Ao mesmo tempo, um projeto busca reproduzir, através de uma impressora 3D, peças ancestrais. O acervo está reunido na plataforma Atlas of Lost Finds, do estúdio belga de design Unfold, especializado na criação digital e impressão de peças em cerâmica. Inicialmente, estava voltado para a reunião de objetos do Museu Nacional e tinham sido escaneados ao longo de 20 anos antes do incêndio de 2018. Posteriormente, passaram a incluir no acervo imagens 3D de peças cerâmicas ancestrais da cultura marajoara que estão dispersas pelo mundo. Colaboradora do trabalho, a artista visual Anita Ekman considera que a digitalização 3D possibilita um repatriamento simbólico. Segundo ela, há parcerias com diferentes museus onde se encontram as coleções, tais como o Peabody Museum de Harvard, o Museu do Quai Branly, da França, e o Museu Etnológico de Berlim, além de oito museus brasileiros, como o Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP). Patrimônio material “O repatriamento deste patrimônio de povos indígenas, que está disperso pelo mundo, ainda não se transformou em uma pauta. Ainda não foi feito nenhum pedido oficial. A ideia do projeto é saber onde estão e como ele está sendo tratado e exibido. Mais do que recuperar o patrimônio material, precisamos compreender e ressignificar o sentido desse patrimônio arqueológico a partir da visão e da salvaguarda do patrimônio imaterial das comunidades, dos povos da floresta”, explicou Anita. Para ela, as peças poderão ser recriadas através do projeto Replicando o Passado, desenvolvido pelo Museu Emílio Goeldi, considerado o maior museu amazônico com coleções arqueológicas. A iniciativa é desenvolvida em parceria com o Atelier Mangue Marajó. “Os ceramistas da região vão ao museu visualizar e estudar essas digitalizações em 3D e replicar as peças. Estamos chamando de rematriamento, ou seja, voltar para a mãe terra, voltar à origem” explicou. Um exemplo desse trabalho é a Urna de Berlim, uma urna marajoara em formato de mulher grávida, que se encontra no Museu Etnológico de Berlim, e foi reproduzida por ceramistas do projeto. A tecnologia também pode ser usada na reprodução de peças. No último fim de semana, Anita Ekman foi uma das curadoras da mostra Ore ypy rã-Tempo de Origem, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM). Na ocasião, usou-se uma impressora 3D criada para trabalhar com argila. Desenvolvida pelo artista Chico Simões, o equipamento utiliza tecnologia brasileira de software livre. “Para esse projeto adaptei uma impressora de sete anos para uma impressora 3D que pudesse trabalhar com argila”, explicou. Museu Nacional Aos olhos do público, foi replicada uma urna marajoara perdida no incêndio do Museu Nacional. A recriação ocorreu em uma escala menor, 50% do original. A peça é uma urna funerária encontrada na Ilha do Marajó, no Pará, e data de 1.400 a 400 AC (antes de Cristo). Chico permaneceu ao lado de seu invento durante todo o processo. “É um trabalho demorado. Acreditávamos que conseguiríamos fazer tudo em um dia. Mas, para que saísse da maneira que pretendíamos, fizemos a primeira parte na sexta-feira e o restante no sábado”, explicou. A mostra Ore ypy rã-Tempo de Origem é um desdobramento do mapeamento de artefatos arqueológicos de indígenas do Brasil espalhados em museus dos Estados Unidos e da Europa. É um trabalho desenvolvido desde 2021 por Sandra Benites (Guarani Nhadeva), que assinou a curadoria do evento ao lado de Anita Ekman. Sua pesquisa resultou no mapeamento, com o auxílio da arqueóloga Cristiana Barreto, especialista em coleções marajoaras, de urnas funerárias da Ilha de Marajó e de zoólitos sambaquis (artefatos esculpidos em pedra) provenientes de Santa Catarina, espalhadas em mais de 20 instituições pelo mundo. *Estagiário sob a supervisão de Léo Rodrigues Fonte
Em final inédita na Copa Verde, Paysandu recebe Goiás em jogo de ida
O título da 10ª edição Copa Verde começa a ser decidido na noite desta quarta-feira (17) com o inédito confronto entre o tricampeão Paysandu e o Goiás, no Mangueirão, em Belém, estádio reinaugurado no mês passado após reforma. A bola rola a partir das 20h (horário de Brasília) no primeiro jogo da final, e o último será em 31 de maio, em Goiânia. As duas partidas serão transmitidas ao vivo na TV Brasil, em parceria com a TV Cultura do Pará. A nossa força é a nossa união! Vamos seguir juntos, Fiel! Rumo ao Tetra 👊🏼💙🐺🏆 🎥 Wellison Vasconcelos/ Paysandu | #OMaiorCampeãodaAmazônia #CopaVerde pic.twitter.com/dYfCTxcJDM — Paysandu Sport Club (@Paysandu) May 16, 2023 Além da premiação de R$ 70 milhões, o time vencedor garantirá presença ano que vem na terceira fase da Copa do Brasil. O torneio teve início em fevereiro deste ano, com 24 clubes das regiões Norte e Centro-Oeste, além de times do Espírito Santo. O primeiro duelo da final colocará frente a frente equipes com realidades distintas. Enquanto o Papão disputa a terceira divisão, o Esmeraldino está na elite do futebol brasileiro. Apesar das diferenças, o Paysandu é o maior campeão da Copa Verde, junto como o Cuiabá. O clube paraense levantou a taça em 2016, 2018 e no ano passado. Já o Alviverde busca seu primeiro título na competição. Lá se vão duas décadas desde que o Goiás conquistou a extinta Copa Centro-Oeste, por três vezes consecutivas (de 2000 a 2001). ⚽🥅 Alô, alô torcidas do @Paysandu e do @goiasoficial: vai ter final da #CopaVerde na nossa telinha, em parceria com a @portalcultura. Chama a galera pra torcer com toda energia aqui na #TVBrasil! 📺 A primeira partida é nesta quarta (17), às 20h | https://t.co/LNBnNcWCdp pic.twitter.com/diSp6IJaPx — TV Brasil (@TVBrasil) May 16, 2023 Para chegar à final desta noite, o Alviverde superou nas oitavas o Unão Rondonópolis e, na sequência, bateu o Brasiliense e o Cuiabá, sempre com jogos de ida e volta Já o Paysandu deixou para trás o Real Ariquemes, o Princesa do Solimões e na semifinal desbancou o arquirrival Remo. O Goiás, comandado pelo técnico Emerson Ávila, chega ao embate com moral alto, após ter vencido por 2 a 1 o Botafogo, líder do Brasileirão, no domingo (14). Já o Papão, do treinador Marquinhos Santos, sofreu uma goleada (5 a 0) diante do Ypiranga, na última quinta (11), pela terceira rodada a Série C. O regulamento da Copa Verde não tem critério de gol fora de casa na final. Se houver empate no placar agregado (soma dos resultados dos jogos de ida e volta) a definição do título se dará nas penalidades. Fonte