Ministra diz que trabalha para que sangue não se torne mercadoria
Ao comentar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que autoriza o processamento do plasma por empresas privadas – em tramitação no Senado – a ministra da Saúde, Nísia Trindade (foto), disse, nesta terça-feira (26), em Brasília, que o governo trabalha para evitar que o sangue humano se torne mercadoria. A declaração foi dada durante participação no programa Conversa com o Presidente, transmitido pelo Canal Gov. “Existe uma PEC de comercialização do plasma. O plasma é fundamental para o desenvolvimento de produtos que são usados para tratamentos de doenças importantíssimas. Mas o sangue não pode ser comercializado de modo algum, não pode haver compensação aos doadores e isso foi uma conquista da nossa Constituição”, afirmou. Acompanhada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Nísia lembrou que, atualmente, a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) já trabalha no desenvolvimento de insumos derivados do sangue. Segundo ela, a instituição passa a entregar este ano, por exemplo, o fator 8 para tratamento de pessoas com hemofilia. “E, em 2025, [a Hemobrás] fará a entrega de outros produtos derivados do plasma. Estamos trabalhando para que o sangue não seja uma mercadoria”, concluiu a ministra da Saúde. Entenda a PEC A PEC 10/2022 prevê o processamento de plasma humano pela iniciativa privada para o desenvolvimento de novas tecnologias e a produção de medicamentos. O texto entrou na pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal no último dia 13, mas foi retirado de pauta a pedido da relatora, senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB), que solicitou mais tempo para construir uma proposta de consenso com senadores e com o governo. A votação da PEC já foi adiada sete vezes na comissão por ser considerada polêmica. A relatora havia incluído no projeto original a proposta de pagamento ao doador em troca da coleta do plasma, o que gerou reações contrárias de diversos senadores e também de órgãos públicos. Não há uma nova data para a análise da proposta na CCJ. O plasma é a parte líquida do sangue, resultante do processo de fracionamento do sangue total, obtido de doadores voluntários dos serviços de hemoterapia. Ele pode ser usado para a produção de medicamentos hemoderivados, como albumina, imunoglobulina e fatores de coagulação utilizados por pessoas com doenças como a hemofilia. Fonte
Anvisa torna permanente entrega de remédio controlado em casa
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tornou definitiva a prática da entrega de medicamento controlado na casa dos pacientes. A medida foi autorizada durante a pandemia em caráter provisório. No entanto, a agência alterou a quantidade máxima de remédios por receita para a entrega remota. Durante a pandemia, a quantidade havia sido ampliada, porém essa permissão perdeu a validade na semana passada. Na pandemia, por exemplo, era permitida a entrega de 18 ampolas ou quantidade suficiente para seis meses de tratamento de medicamentos com controle especial. Agora, podem ser entregues cinco ampolas ou quantidade para 60 dias de tratamento. >> Veja no site da Anvisa a quantidade permitida para outros tipos de medicamentos controlados. Para fazer a entrega de medicamentos controlados em domicílio, farmácias e drogarias precisam cumprir algumas regras. São elas: O estabelecimento deve buscar a receita médica ou receber em formato eletrônico antes de fazer a entrega; As informações da receita devem ser checadas, como tipo, quantidade, validade. O farmacêutico deve orientar o paciente sobre os cuidados necessários; Estabelecimento deve reter a via original da prescrição médica; Farmácias e drogarias devem manter em seus sistemas dados dos pacientes para acompanhamento e fiscalização das autoridades sanitárias; No momento da entrega do remédio, devem ser colhidas as assinaturas necessárias; Estão autorizados a fazer entrega remota de medicamento controlado estabelecimentos privados, públicos e para programas governamentais. Fonte
PNI vai além de vacinas e inclui até soros antiofídicos
Uma gestante que nunca teve catapora tem contato direto com uma pessoa com a doença, que é altamente transmissível e pode causar malformação em bebês. Mesmo com a tetraviral disponível desde a infância, ela nunca se vacinou e descobre que não pode receber as doses durante a gravidez, porque a vacina tem vírus vivos atenuados que também podem fazer mal ao bebê. Para casos como esse, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) também oferece uma forma de se proteger: as imunoglobulinas, que são imunobiológicos que contêm anticorpos já prontos para agir contra um possível invasor. E, no caso dessa gestante, a Imunoglobulina humana antivaricela-zoster, vírus causador da doença, que deve ser administrada em até 96 horas após a exposição. Ana Paula Burian diz que distribuição de imunobiológicos requer muito planejamento e logística – Divulgação/ SBIm Essa situação deixa claro que o PNI e seus instrumentos de prevenção vão muito além das vacinas, exemplifica a coordenadora do Centro de Referência em Imunobiológicos Especiais (CRIE) de Vitória e diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Ana Paula Burian. Conhecido pela oferta de centenas de milhões de doses gratuitas de vacinas por ano, o PNI brasileiro chega aos 50 anos também com um arsenal de soros e imunoglobulinas para casos emergenciais ou situações que requerem estratégias alternativas de imunização. Entre os 48 imunobiológicos oferecidos pelo PNI, menos da metade, 20, são as vacinas propriamente ditas. Os outros 28 são imunobiológicos especiais, soros e imunoglobulinas como a oferecida à gestante no exemplo citado por Ana Paula. A imunoglobulina humana antirrábica é outro exemplo do que o PNI reserva a essas situações especiais. Indivíduos que apresentaram algum tipo de hipersensibilidade quando utilizaram soros como antitetânico, antirrábico e antiofídico têm indicação de receber essa imunoglobulina quando passam por uma possível exposição ao vírus da raiva, que é letal em praticamente todos os casos. O mesmo se dá com pessoas que não puderam completar o esquema antirrábico por eventos adversos da vacina e indivíduos imunodeprimidos. Soros contra envenenamento Soro antibotrópico está no rol de imunobiológicos especiais do PNI – Instituto Vital Brasil Até mesmo soros antiofídicos, como o soro antibotrópico (pentavalente), estão no rol de imunobiológicos especiais do PNI. O antibotrópico é indicado para vítimas de mordidas de serpentes do gênero Bothrops, que inclui a jararaca e a surucucu. Outros soros contra envenenamento são o soro antielapídico, contra a cobra coral verdadeira, e os soros antiescorpiônico e antiaracnídico. O Instituto Butantan fabrica soros há mais de um século, e a produção atualmente envolve a imunização de cavalos com antígenos produzidos a partir de venenos, toxinas ou vírus. A partir disso, o plasma do animal é submetido a processamento industrial de purificação e formulação, resultando em produtos de alta qualidade, segurança e eficácia. Outro produtor tradicional desses soros é o Instituto Vital Brazil, do governo do estado do Rio de Janeiro. Ana Paula Burian destaca que um leque tão grande de imunobiológicos requer muito planejamento, logística e estrutura para chegar às quase 40 mil salas de vacina e aos mais de 50 CRIEs do país, que tem dimensões continentais e diferentes condições de estrutura e clima. “As pessoas têm que pensar que, quando o Ministério da Saúde compra uma vacina, ele tem que pensar qual é a quantidade de que é preciso, qual é o transporte que vai levar, se vai de avião, de carro, de barco, de caminhão. E tudo isso tem que ser refrigerado. Tem que ter caixa térmica, bobina de gelo e termômetro para manter em uma temperatura adequada, porque, se congelar, perde a potência, e, se esquentar, também. Então, vacina e imunobiológico têm que ficar em um controle rígido de temperatura para manter a qualidade. Tem que comprar seringa, agulha. São muitas coisas que se faz, com um sistema informatizado para registrar, para que a população inteira possa ser beneficiada.” Fonte
Anvisa aprova novo medicamento contra diabetes tipo 2
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou nesta segunda-feira (25) um novo medicamento para tratamento de diabetes tipo 2. O Mounjaro, da farmacêutica Eli Lilly, tem como princípio ativo a tirzepatida, que age no controle do açúcar no sangue em adultos com a doença, combinado com dieta e exercícios físicos. O remédio está disponível em formato de caneta injetável. De acordo com a Anvisa, estudos mostram que a tirzepatida reduz de forma significativa a quantidade de hemoglobina glicada no sangue, o que indica o controle de açúcar. Essa redução contribui para queda do risco de doença microvascular, cegueira, insuficiência renal e amputação de membros. “Outro benefício dessa droga é a mudança favorável do peso corporal (perda de peso), uma vez que o sobrepeso e a obesidade contribuem para a fisiopatologia do DM2 [diabetes tipo 2]”, informa publicação da Anvisa A tirzepatida funciona como o primeiro receptor de dois hormônios produzidos no intestino: o polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) e o peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1). Com isso, aumenta a quantidade de insulina produzida pelo pâncreas, ajudando no controle glicêmico no sangue. Diabetes tipo 2 Estima-se que quase 463 milhões de pessoas no mundo, de 20 a 79 anos, têm diabetes. Desse total, o diabetes tipo 2 é responsável por quase 90% dos casos. No Brasil, são quase 17 milhões de adultos com a doença. A doença é caracterizada pela produção insuficiente de insulina, hormônio que mantém o metabolismo da glicose. É uma das principais causadoras de insuficiência renal, cegueira, amputação e doença cardiovascular, complicações que podem levar à morte. Pelas projeções, 578,4 milhões de pessoas estarão vivendo com diabetes em 2030, e mais de 700 milhões em 2045. O aumento está relacionado à tendência crescente de obesidade da população, alimentação não saudável e falta de atividade física. Fonte
Prefeitura do Rio aplica quase 28,5 mil doses de vacinas em escolas
Lançado em 15 de agosto, o Programa Vacina na Escola, da prefeitura carioca, aplicou nos seus primeiros 30 dias de vigência 28.489 doses de imunizantes diversos em escolas públicas e privadas localizadas na capital do estado. Do total de doses, 11,5 mil foram da vacina HPV quadrivalente, que previne contra o câncer de colo de útero, entre outros tipos de câncer. Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca), do Ministério da Saúde, mostram que a doença atinge 17 mil brasileiras a cada ano. Em 2021, o HPV causou 6.606 óbitos no país, o que representa uma taxa de 6,06 mortes a cada 100 mil mulheres O Programa Vacina na Escola faz parte da campanha Vacina, Rio. A mobilização intersetorial engloba um conjunto de iniciativas para estimular a imunização dos cariocas de todas as idades e em todas as regiões do município. O programa é voltado para as escolas das redes municipal e estadual localizadas na cidade do Rio de Janeiro, mas aberto também para as unidades privadas que queiram participar. Até 15 de setembro, 1.220 instituições de ensino receberam as equipes de vacinação e outras 500 serão atendidas nas próximas semanas. Estão incluídas vacinas de rotina como meningo C, varicela, febre amarela, hepatite A, pentavalente, pneumo 10, poliomielite, rotavírus e HPV, entre outras. Vacina voluntária A vacinação nas escolas é voluntária, mas precisa ser autorizada pelos pais dos alunos, por escrito ou presencialmente. O aluno deve levar sua caderneta de vacinação para avaliação pelos profissionais de saúde, que aplicarão as doses necessárias para atualização do esquema vacinal. Todos os imunizantes dos calendários da criança e do adolescente são disponibilizados no programa, obedecendo a faixa etária dos alunos de cada unidade. A vacina contra o HPV, especificamente, já foi aplicada nas escolas em 6.610 meninos e em 4.951 meninas. A neoplasia de colo de útero é o quarto tipo de câncer que mais atinge mulheres no mundo. Desde 2014, a vacina HPV quadrivalente é oferecida gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos. O imunizante atua na prevenção de lesões genitais pré-cancerosas de colo de útero e contra as verrugas genitais em mulheres e homens. Ao mesmo tempo, ela estimula o organismo a produzir anticorpos que vão agir contra o vírus, transmitido durante a relação sexual. Por isso, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) indica que a aplicação da vacina seja anterior ao início da vida sexual, antes do possível contato com o vírus. O HPV também pode causar câncer de pênis, ânus, vulva, vagina e orofaringe, informou a Secretaria de Saúde do Município do Rio de Janeiro. Fonte
Estudo aponta aumento de suicídio entre jovens indígenas no AM e no MS
Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade de Harvard realizaram o primeiro estudo nacional que avalia o suicídio entre indígenas e não indígenas no Brasil. O estudo avaliou taxas de suicídio durante o período de 2000 a 2020 e mostrou um risco desproporcionalmente maior em indígenas, principalmente naqueles entre 10 e 24 anos de idade. As regiões Norte e Centro-Oeste foram as que apresentaram maior risco de suicídio, principalmente nos estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul. O estudo foi publicado na revista The Lancet Regional Health – Americas. A pesquisa aborda nuances sobre esse grave e negligenciado problema de saúde pública em pleno Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção do suicídio no Brasil, conforme destaca um dos coautores do estudo, o epidemiologista Jesem Orellana, chefe do Laboratório de Modelagem em Estatística, Geoprocessamento e Epidemiologia do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia). As análises foram efetuadas a partir do banco de dados oficial de mortalidade do Ministério da Saúde e teve como objetivo estimar taxas de suicídio e suas tendências entre indígenas e não indígenas no Brasil. No artigo intitulado Suicídio entre povos indígenas no Brasil de 2000 a 2020: um estudo descritivo (Suicide among Indigenous peoples in Brazil from 2000 to 2020: a descriptive study, no original em inglês), os pesquisadores fizeram uma análise sobre o comportamento das taxas de suicídio entre indígenas no Brasil. De acordo com o pesquisador, de forma geral, as taxas de suicídio em indígenas foram maiores em homens e indivíduos entre 10 e 24 anos de idade. “Em homens de regiões como a Centro-Oeste e Norte, essas taxas chegaram a alcançar 73,75 e 52,05 por 100 mil habitantes, em 2018 e 2017, respectivamente. Em indivíduos de 10-24 anos da Região Norte, o grupo etário de maior risco para o suicídio indígena, essas taxas aumentaram substancialmente de 2013 em diante, contrariando o padrão de queda observado na região Centro-Oeste. Este é um diferencial importante, em comparação ao grupo de maior risco na população geral do Brasil, pois o grupo etário de indivíduos com 60 anos e mais, historicamente, é o que apresenta maior risco de suicídio”, explica em nota, Orellana. O estudo também mostrou que, em nível nacional, tanto as taxas de suicídio da população indígena brasileira quanto as taxas da população não indígena apresentaram tendência de aumento de 2000 a 2020. “No entanto, esse padrão não pode ser generalizado, especialmente entre os indígenas, pois estados como o do Amazonas, na região Norte, e Mato Grosso do Sul, na região Centro-Oeste, parecem ser os responsáveis pelas substanciais diferenças que se observa ao se comparar dados nacionais entre indígenas e não-indígenas”, observa. O pesquisador destaca que os resultados do estudo reforçam a extrema vulnerabilidade de indígenas ao suicídio no Brasil, sobretudo homens, na faixa etária entre 10 e 24 anos e residentes nos estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul, apontando para a necessidade de priorização na alocação de recursos financeiros e no planejamento de estratégias que visem a reduzir os fatores de risco associados ao suicídio, especialmente a desigualdade social e o limitado acesso a cuidados de saúde mental. “Precisamos encarar o suicídio indígena como um grave e invisibilizado problema de saúde pública, o qual pode ser influenciado por uma gama de peculiaridades contextuais e culturais, como conflitos territoriais, crises sanitárias, racismo estrutural, bem como questões de ordem econômica, política e psicológica”, alerta. Orellana. Fonte
PNI busca padronizar plataformas de dados de vacinação
Depois de aplicar a injeção e acalmar o choro de mais uma criança imunizada, os profissionais da sala de vacina têm outra tarefa importante a cumprir: preencher os dados daquela vacinação nos sistemas de informação do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Se hoje o país está em alerta com a baixa nas coberturas vacinais e age para revertê-la, é a partir do retrato extraído desses dados que qualquer medida pode ser planejada e executada. Essa fotografia, porém, está embaçada por um quadro crônico de deficiências que prejudicam as políticas de imunização e dificultam a reação do PNI à hesitação vacinal. O diretor do Programa Nacional de Imunizações, Eder Gatti, conta que um objetivo prioritário do ministério é a padronização de todas as plataformas que registram a vacinação no país, de modo que todas alimentem de forma direta a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). Esse movimento vai simplificar a comunicação entre os sistemas e também permitirá apresentar as informações à população via ConectSUS. O aplicativo foi fundamental na pandemia de covid-19 para a apresentação dos certificados de vacinação. “Funcionou muito bem para a covid e agora nós estamos expandindo para a rotina. Então, temos uma série de ações no sentido de organizar os sistemas de informação para dar maior qualidade e melhor controle das ações do programa de imunização e uma maior vigilância das coberturas vacinais.” As dificuldades com os sistemas de informação produzem obstáculos que vão além de uma percepção menos precisa das coberturas vacinais. A própria gestão das doses disponíveis para aplicação, por exemplo, acaba prejudicada quando as informações das salas de vacina não alimentam diretamente a RNDS. A estrutura atual impede que haja um diagnóstico correto das doses perdidas quando um frasco é aberto e nem todas as doses são aplicadas. “A gente precisa de sistemas de informação que nos indiquem onde está o desperdício. Enquanto os dados da rotina não estiverem indo para a RNDS, sendo possível integrar com o sistema de logística, estoque e movimentação, a gente não vai conseguir monitorar isso. O SUS perde dinheiro com essa história de perder quatro meses para o dado subir. Três, dois, um mês que seja. Resolver o sistema de informação é uma prioridade”, destaca Gatti. Sistemas de informação bem organizados ajudam a identificar onde há desperdício de vacinas – Fernando Frazão/Agência Brasil Antes da digitação A informatização do PNI começou a ser implementada em 1990 e levou toda a década até que o Sistema de Informações do PNI (SI-PNI) chegasse a todos os estados e municípios do país. Nas décadas anteriores, as planilhas de papel com os dados eram consolidadas pelos estados e enviadas ao governo federal, que não tinha as coberturas vacinais por município nem sabia quem eram as pessoas vacinadas. Representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) no Rio Grande do Norte, a enfermeira Antônia Teixeira trabalhou como consultora técnica na área de sistemas de informação do PNI entre 2005 e janeiro de 2023. Ela conta que a informatização foi importante para fortalecer o planejamento da vacinação de rotina. O modelo inicial, porém, ainda trazia dificuldades importantes por ainda não permitir um registro nominal de vacinados. “Você não sabia quem tinha sido vacinado, só sabia quantas doses tinham sido feitas. E isso já traz um viés, porque se subentende que uma dose representa uma pessoa. Se o esquema vacinal de uma determinada vacina é de uma dose, para cada dose, você imaginava um indivíduo vacinado”, conta a enfermeira, que ressalta que havia distorções causadas por essa forma de registro. “Nos grandes centros, as coberturas tendiam a ser melhores. Na BCG, por exemplo, como é uma vacina recomendada para ser feita ainda na maternidade, o que acontecia com os municípios que não tinham maternidade? A vacinação era muito baixa, porque as crianças eram vacinadas em outros municípios.” Era comum também que doses aplicadas em duplicidade inchassem as coberturas vacinais. Se uma pessoa perdia a caderneta de vacinação do filho e retornava ao posto para conseguir uma nova, havia o risco de algumas vacinas serem repetidas e contarem duas vezes na cobertura vacinal daquela cidade. Esses problemas levaram à discussão de que era preciso um sistema nominal, capaz de saber quem recebia as doses e, ao mesmo tempo, de preservar o direito à privacidade dos usuários do Sistema Único de Saúde. Nos anos 2000, Antônia participou da criação e implantação desse sistema, que ficou pronto em 2009. “Dessa forma, se o indivíduo morar no Piauí e for vacinado em São Paulo, e o registro for feito corretamente, eu vou saber a residência do indivíduo, e a cobertura vacinal vai ser carregada para a residência do indivíduo.” Diferentes sistemas O Ministério da Saúde, porém, não foi o único que se movimentou nesse sentido, e estados e até mesmo alguns municípios chegaram a criar sistemas próprios para ter dados nominais dos vacinados, o que criou uma complexa comunicação de diferentes sistemas de informação com os mesmos dados. A dificuldade aumentou com a criação e implantação do e-SUS, na década de 2010, antes mesmo que o sistema nominal anterior fosse totalmente assimilado pelas unidades de saúde. O profissional da sala de vacina, sujeito à alta rotatividade e à abrangência cada vez maior do calendário vacinal, também precisava manejar esses sistemas, para que os dados continuassem confiáveis. Profissionais de saúde devem preencher dados sobre vacinação nos sistemas de informação do Programa Nacional de Imunizações – Fernando Frazão/Agência Brasil “Nós podemos ter um bom sistema de informação, mas, se não tivermos um bom usuário, não vamos ter informação de qualidade”, resume. “Se você tem poucos profissionais de saúde na unidade, mesmo que esse profissional seja capacitado, registrar não é a coisa mais importante a se fazer em uma unidade de saúde, em que tem uma mesma pessoa que é registrador, vacinador, atendente. Essa informação pode ser comprometida.” O momento de maior conflito entre os sistemas de informação foi também quando as coberturas vacinais do Brasil começaram a cair, após 2015. Antônia Teixeira acredita que as dificuldades relacionadas ao preenchimento e envio dos dados
Ministério da Saúde vai oferecer 300 vagas em concurso para temporário
O Ministério da Saúde foi autorizado pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos a realizar concurso público com oferta de 300 vagas para temporários. A medida foi publicada nesta segunda-feira (25) no Diário Oficial da União. Serão contratados 28 técnicos administrativos, 12 analistas de dados e controle de qualidade, 218 analistas de requisitos processuais, normativos, econômicos e financeiros, oito técnicos em edificações, 18 analistas técnicos em equipamentos e 16 gestores. Os profissionais poderão atuar por até quatro anos, prorrogáveis por mais um ano, conforme define a lei que trata da contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. De acordo com a publicação, esses profissionais atuarão no Ministério da Saúde, na área de prestação de contas, habilitação e devolução de recursos, para tratar de processos como Tomada de Contas Especial (TCE), que apura possíveis danos à administração pública, ou ainda processos de ressarcimento ao erário. Entre os processos está uma decisão do Tribunal de Contas da União, que determinou em 2021 a análise das prestações de contas da pasta no período de 1º de janeiro de 2017 a 30 de junho de 2021. A remuneração dos temporários, os prazos e o cronograma de realização do concurso público e outras definições do processo seletivo serão determinados em edital que deverá ser publicado em, no máximo, seis meses. Fonte
Caminhos da Reportagem mostra práticas alternativas oferecidas no SUS
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece atualmente 29 práticas integrativas e complementares à população brasileira. Entre elas estão homeopatia, fitoterapia, yoga, imposição de mãos e shantala, entre outras. De um lado, profissionais da saúde e usuários satisfeitos com o resultado dessas práticas. De outro, há quem critique a oferta dessas terapêuticas no SUS (Sistema Único de Saúde) por defender que não têm comprovação científica. Segundo o consultor da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) Rafael Dall’Alba, essas práticas não vêm para substituir o tratamento convencional. “Não é optar por uma ou por outra. É integrar esses modelos e gerar uma saúde mais forte, na perspectiva de o Brasil gerar um SUS mais forte, com um profissional da saúde com uma caixa de ferramentas clínicas ampliadas para melhor cuidar da população.” Já a professora de ciência e políticas públicas da Universidade de Columbia Natalia Pasternak é crítica quanto à oferta dessas práticas, argumentando que elas não foram aprovadas pelo rigor metodológico e, portanto, não têm evidências científicas de que funcionem. O diretor de Gestão do Cuidado Integral do Ministério da Saúde, Marcos Pedrosa, defende que não é possível avaliar processos de solidão na vida moderna, por exemplo, com métodos científicos como se avalia um fármaco. “Nenhum profissional de saúde sério vai propor uma dança circular ou uma massagem com uma perspectiva de objetivo terapêutico de cura. Não é esse o horizonte”, afirma Pedrosa, ao ressaltar que as práticas são complementares ao tratamento convencional. A fitoterapia também faz parte das práticas alternativas – TV Brasil/Divulgação A professora de bioquímica da Universidade de São Paulo (USP) Alicia Kowaltowski também critica a oferta das práticas no SUS, defende que atividades como yoga ou meditação sejam ofertadas pelo Estado, mas não em unidades de saúde. “É muito clara para mim a diferença entre tratamentos de área médica e tratamentos culturais. A meditação é uma coisa cultural, social, que pode melhorar a vida de muitas pessoas e deve ser praticada, deve ser oferecido para a população, mas deve ser oferecida dentro de instalações de socialização, de cultura e de bem-estar, mas não no Sistema Único de Saúde, que deve ser focado em práticas de saúde. Misturar as coisas não faz sentido”, afirma a professora. A reportagem da TV Brasil visitou diversas Unidades de Saúde, em busca de mostrar algumas das 29 práticas, além de outras terapêuticas ofertadas pelo SUS. Entre elas, o público vai conhecer mais sobre a automassagem, Lian Gong, ventosaterapia, escalda-pés, homeopatia, fitoterapia, shantala, técnica de redução do estresse, benzimento e yoga. Caminhos alternativos no SUS é o tema do programa Caminhos da Reportagem, que vai ao ar neste domingo (24), às 22h, na TV Brasil. Fonte
Desinformação sobre vacinas se comporta como epidemia
A enxurrada de desinformação que passou a circular na pandemia de covid-19 com mais força deixou sequelas, impactou serviços de saúde e se comporta como uma epidemia, avaliaram pesquisadores na Jornada Nacional de Imunizações, realizada em Florianópolis, pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). A diretora da SBIm e integrante do grupo consultivo da Vaccine Safety Net da Organização Mundial da Saúde, Isabela Ballalai, compara a desinformação à uma doença de fácil transmissão. Isabela Ballalai é diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações. Foto: SBIm “A desinformação pode causar doenças, pode matar, deve ser considerada uma doença e merece prevenção, vigilância, ações planejadas. A gente precisa acompanhar, diagnosticar. Contra um surto de sarampo, a gente não tem que planejar? É a mesma coisa”. Organizar essa resposta se torna ainda mais importante porque movimentos antivacinistas se tornaram mais estruturados na América Latina com a pandemia de covid-19, recebendo inclusive recursos transnacionais. No caso do Brasil, esses grupos chegaram a contar também com apoio do governo de Jair Bolsonaro, que deu voz a antivacinistas em uma audiência pública promovida pelo Ministério da Saúde sobre a vacinação pediátrica contra a covid-19. Isabela Ballalai chama a atenção para o planejamento de uma comunicação que chegue até as pessoas, uma vez que pacotes de internet mais baratos muitas vezes dificultam o acesso a páginas oficiais e fontes confiáveis de informação, mas garantem a comunicação por redes sociais, local em que conteúdos virais de desinformação circulam fortemente. “Os picos de desinformação e hesitação se dão quando há a divulgação de uma nova informação, uma nova política de saúde, ou relato de possível problema de saúde”, afirma. “Esses grupos são muito estruturados e têm dinheiro”, acrescenta. Estresse vacinal Um exemplo emblemático desse padrão foi a campanha de desinformação contra a vacina do HPV no Acre, entre 2014 e 2019. A vacina é indicada para adolescentes de 9 a 14 anos, e é de grande importância para prevenir casos de câncer, como o cérvico-uterino. Episódios de reações à vacina, chamados de estresse vacinal, entretanto, levaram a uma forte campanha de desinformação que atribuiu falsamente à vacina o risco de causar paralisias e epilepsia. O psiquiatra Renato Marchetti, professor da Universidade de São Paulo, explica que reações de estresse pós-vacinação têm como gatilhos dor, medo e ansiedade e podem se proliferar quando uma pessoa vê imagens ou testemunha outra pessoa sofrendo dessa reação. Esses sintomas afetam principalmente adolescentes do sexo feminino, são involuntários e se parecem com sintomas neurológicos, mas suas causas são psicossociais. “Uma parte importante para o desfecho do estresse vacinal depende do conhecimento das pessoas que sofreram o problema, dos familiares, dos médicos e de outras pessoas da sociedade sobre o assunto. É preciso saber que existe a reação de estresse vacinal, que aquilo não é uma doença desconhecida, e, sim, um problema que pode acontecer também devido a outros tipos de estresse. A divulgação científica das reações psicogênicas seria um ponto importante”, avalia. “A gente conviveu com muitos médicos que atenderam às meninas no Acre, e a maior parte deles não eram pessoas mal intencionadas. Eles [médicos] tinham dúvidas sobre o que estava acontecendo porque essa reação não é bem conhecida nem entre os médicos”. Situações como essa são registradas desde a década de 1990, com diferentes vacinas, e principalmente durante a imunização escolar. Com a divulgação de imagens e relatos pela imprensa ou grupos contrários à vacinação, esses casos se alastram. Foi o que ocorreu no Acre, em que imagens de adolescentes desmaiadas causaram forte temor e levaram até mesmo profissionais de saúde a contraindicarem a vacinação. O desconhecimento dos profissionais da imprensa e da saúde sobre as reações de estresse vacinal agravaram a situação. O temor e o pico de informação antivacina, explica Marchetti, causa um fenômeno chamado hesitação vacinal reativa transmissível, um surto de hesitação vacinal. No caso do Acre, a cobertura da vacina HPV chegou a menos de 1%. “Toda vez que ocorre um evento com repercussão, você tem uma infodemia, uma propagação aguda que responde às mesmas modelagens matemáticas de uma epidemia de causas biológicas”, explica. Até pediatras A desinformação sobre as vacinas covid-19 pode ter aumentado a hesitação vacinal (relutância ou recusa) até mesmo entre pediatras, indica um estudo ainda em andamento com quase mil médicos brasileiros dessa especialidade. Por meio de entrevistas em que os profissionais declaravam concordar ou discordar de afirmações, os pesquisadores detectaram uma forte correlação entre a crença de que as vacinas contra a covid-19 ainda são experimentais e a desconfiança de que as vacinas não são seguras de forma geral. A pesquisa é resultado de uma parceria entre a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e o Instituto Questão de Ciência (IQC), e busca produzir material direcionado à conscientização desses profissionais, recuperando sua confiança nas imunizações. Foram ouvidos 982 pediatras – 90% fizeram residência médica, 60% declararam que atuam nas redes pública e privada e 41% estavam com o calendário vacinal em dia. >> Leia aqui o especial 50 anos de vacinas para todos Coordenador do trabalho e diretor de educação científica do IQC, Luiz Gustavo de Almeida apresentou que os pediatras se posicionaram sobre as seguintes afirmações: “as vacinas covid-19 em pediatria ainda podem ser consideradas experimentais”; “a vacina covid-19 de RNAm pode acarretar algum risco de modificação do DNA da criança”; e “a vacinação de crianças é fundamental, pois está é uma doença importante na pediatria que pode levar a casos graves”. As duas primeiras afirmações são falsas e frequentemente usadas em campanhas de desinformação. Já a terceira é verdadeira e comprovada por estudos científicos e autoridades sanitárias de diversos países. Além das frases sobre as vacinas contra a covid-19, também foram apresentadas outras como “eu tenho total confiança de que as vacinas são seguras”; “a vacina tríplice viral causa autismo”; e a “a vacina HPV administrada na adolescência pode favorecer o início da vida sexual”. As duas últimas frases são mentiras usadas pelo movimento antivacinista. “A covid abalou a confiança em todas as outras vacinas. Essa é a mensagem final que a gente tem
Pesquisadores defendem Brasil protagonista na “diplomacia das vacinas”
Nos últimos anos, a opção geopolítica de afastar o Brasil de fóruns multilaterais, a queda nas coberturas vacinais e até a propagação de desinformação por órgãos oficiais retiraram o protagonismo do país no campo das imunizações e da saúde global. A avaliação é de pesquisadores que discutiram o tema na Jornada Nacional de Imunizações, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Recuperar essa voz ativa é um objetivo visto como prioritário pelo Ministério da Saúde, e especialistas apontam o país como um importante líder regional e um ator capaz de promover, de forma positiva, a “diplomacia das vacinas” – a negociação permanente pela ampliação do acesso global a imunizantes. Integrante do grupo consultivo sobre vacinas da Organização Mundial da Saúde (Sage/OMS), Cristiana Toscano afirma que o Brasil tem uma experiência reconhecida na área, mas os últimos anos foram marcados por “um susto” quando se falava do país. “Globalmente, o Brasil é visto como um país muito importante, porque tem uma liderança regional, um histórico e uma experiência na imunização que são reconhecidos. Mas também há quase um susto. ‘O que está acontecendo com o Brasil?’, e não é de agora, vem acontecendo ao longo dos anos”, conta a pesquisadora, que participa do monitoramento da Agenda de Imunizações 2030, que pretende salvar 50 milhões de vidas em todo o mundo com o avanço da vacinação. A agenda foi pactuada em 2019 e tem tido dificuldade de avançar em objetivos como reduzir pela metade o número de crianças “zero dose” – aquelas que nunca receberam qualquer tipo de imunizante. Em vez de cair, o número aumentou de 13 milhões para 14 milhões de crianças entre 2019 e 2023. A pesquisadora conta que, nesses primeiros anos de caminhada do acordo multilateral, o Brasil fez mais parte dos maus que dos bons resultados. “O Brasil ainda está entre os 10 países com maior número de crianças zero dose. A gente está contribuindo com esses números enormes”, lamenta. “Espero que o Brasil resgate o seu protagonismo, mas ele teve uma redução muito importante dessa posição nos fóruns multilaterais internacionais. Foi uma opção geopolítica recente, e isso fragiliza muito o país, fragiliza as negociações e a posição do país na mesa de negociação, porque ele sai da mesa. Isso ainda não foi resgatado, mas acho que é um processo”. Em entrevista à Agência Brasil publicada no início deste mês, a ministra da saúde, Nísia Trindade, disse que recuperar o protagonismo do Brasil e do Programa Nacional de Imunizações como referências é um dos objetivos do governo federal no plano internacional. “Reconquistar as altas coberturas vacinais, em um segundo momento, pode voltar a nos colocar em uma posição de referência que nos faça contribuir mais no enfrentamento ao negacionismo e à hesitação vacinal. Nosso objetivo é voltar a ser exemplo para o mundo. Retomar essa posição de referência internacional e mobilizá-la na nossa cooperação com outros países, incluindo a vacinação, é nossa prioridade”. Antivacinismo A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Isabela Ballalai também percebeu uma mudança na imagem do Brasil nos fóruns internacionais que tratam de saúde global e pública. Integrante da rede de segurança das vacinas da OMS, ela lembra que essa virada está muito ligada à resposta do governo à pandemia de covid-19. “Já no primeiro ano da pandemia, nas reuniões desse grupo, que eram online, eu entrava na reunião e me perguntavam: ‘você está bem?’”, conta ela. Mais tarde, já em 2022, a médica estava entre os especialistas que tiveram dados pessoais vazados em grupos bolsonaristas após participar de uma audiência pública sobre vacinação pediátrica contra a covid-19, promovida pelo Ministério da Saúde. A pasta convidou e deu espaço equivalente a especialistas em imunização e militantes antivacinistas, que usaram o evento para propagar desinformação. “Eles foram publicamente recebidos por autoridades”, lembra ela, que também resgata que uma nota técnica da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (SCTIE) chegou a sugerir que a hidroxicloroquina tinha efetividade no combate à covid-19 e a vacinação não. “O antivacinismo é um movimento bastante politizado, mas aqui ele é 100% politizado. Os antivacinistas não podiam nada, eles não existiam”. Memória e reparação Vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Global e Sustentabilidade da Universidade de São Paulo (USP), Deisy Ventura defende que, por mais incômodo que seja, não é possível simplesmente virar a página da pandemia de covid-19. “Precisamos lembrar sempre do que aconteceu no Brasil nos últimos anos. Não podemos esquecer que entidades oficiais, páginas e perfis de governo divulgaram desinformação sobre a covid-19 e, inclusive, notícias falsas sobre a covid-19. Sabemos que agentes do Estado intencionalmente defenderam a ideia falsa de que poderia haver imunidade de rebanho por contágio e, com isso, expuseram a população brasileira a risco, e tivemos morte, adoecimento e sofrimento que poderiam ser evitados. Precisamos ter memória, precisamos buscar a verdade e defender a justiça e a reparação para que nunca mais algo desse tipo aconteça no Brasil”. A especialista em saúde global defende que o Brasil deve retomar seu protagonismo no campo da imunização e ser um ator influente na “diplomacia das vacinas”. “O SUS é referência para o mundo inteiro e é assim que devemos nos posicionar. Fomos e voltaremos a ser exemplo para o mundo, e é assim que devemos nos comportar: com a altivez de quem tem o maior sistema de saúde pública do mundo”, exalta. “Quando a gente circula internacionalmente, a gente percebe que, lá fora, muitas vezes o mundo tem noção até maior do que os brasileiros da importância que é o SUS”. Ao desempenhar esse papel, ela propõe que o país deixe de privilegiar modelos e manuais importados do mundo desenvolvido e desenvolva um posicionamento autônomo sobre como deve ser a saúde global. “Nós temos massa crítica, temos um grande sistema de saúde e um grande sistema de pós-graduação e pesquisa que nos dá a possibilidade de construir o nosso olhar sobre o mundo e sobre a saúde global. Temos que pensar a saúde global de acordo com as nossas agendas e
Cuidadores de pacientes com Alzheimer precisam de cuidado e proteção
– “Bom dia, pai”. – “Bom dia, filha”. Natália Duarte e seu pai, Ítalo, que teve diagnóstico de Alzheimer em 2019 – Marcelo Camargo/Agência Brasil Nos encontros de palavras simples, os gestos também falam. O toque das mãos, o abraço, o olhar por todo o dia. No caminho de casa, a caminhada lenta. Na sala, as novidades que chegam pela TV. Na mesa, a conversa do almoço. Depois, o jantar, o “boa noite”. Mas nem todas as palavras dão conta de traduzir. “É um privilégio que eu ainda tenha o colo do meu pai”, diz Natália de Souza Duarte, de 57 anos, para falar do paizão, Ítalo, de 90 anos, diagnosticado, desde 2019, com a doença de Alzheimer. Assim como o pai, a filha sabe que precisa ser cuidada também. O cuidado é minucioso para tentar juntar as peças ou as fotos, em dias que a memória vai desfolhando lentamente. Este amor é feito de uma rotina, mas não trivial. Depois do diagnóstico do pai, a filha, que é professora, foi ser vizinha no mesmo prédio do pai, em Brasília. Uma atenção é para que ambos se cuidem. É importante que a filha esteja bem para melhor cuidar do pai. “O meu pai e minha mãe sempre foram muito autônomos. Eles eram funcionários públicos aposentados”. Em 2019, a mãe de Natália adoeceu e acabou falecendo no ano seguinte por causa de um câncer. “Foi um momento muito conturbado quando houve o diagnóstico. Ele estava apresentando desorganização e perda de memória”. O irmão de Natália também se organizou com a família para apoiar o novo momento. A progressão do Alzheimer de Ítalo tem sido lenta graças ao cuidado de profissionais, uso de vitaminas e do canabidiol. “Além disso, temos procurado proporcionar muita atividade de socialização. Fizemos a opção de contar para ele sobre o diagnóstico”. Há momentos dramáticos no dia também com a lucidez. Indiscutível é que a organização do dia a dia contempla manter independência e cuidado com a saúde mental e física da professora, que continua trabalhando, busca fazer atividades físicas e cuidar da saúde mental. “No começo fica muito bagunçado. Eu adoeci depois de dois anos como cuidadora, lidando com essa situação”. Sair do isolamento Ela viu que era necessário estar bem para cuidar do pai. Uma virada de chave ocorreu quando conheceu um coletivo, na capital, chamado Filhas da Mãe que tem por objetivo gerar um sentimento que cuidadores precisam conversar, sair do isolamento e se divertir. Passear, andar de bicicleta, fazer atividade física. “Precisamos de uma rede de proteção e poder conversar com quem está passando pelos mesmos desafios. Comecei a terapia. Hoje eu consegui organizar a minha vida de modo que eu consigo cuidar do meu pai e consigo manter uma vida também”, afirma a professora. Segundo o médico Einstein de Camargos, pesquisador da doença de Alzheimer da Universidade de Brasília, o cuidador deve ter muita atenção com a própria saúde. “Ele precisa fazer exercício, dormir bem, dividir as tarefas com outras pessoas, profissionais ou familiares”, afirma. A professora de medicina Claudia Suemoto, da Universidade de São Paulo, também pesquisadora do tema, alerta para os riscos que corre o cuidador se não se cuidar também. “É importante que as pessoas não tentem abraçar o mundo porque elas vão ficar doentes”. Ela explica que é alto o índice de depressão e ansiedade nesses cuidadores. “Muitos deles desenvolvem problemas de pressão alta, diabetes e obesidade. O isolamento é ruim para cuidadores e pacientes”. Luta na rotina Foi o aprendizado de amor diário que mexeu com a jornalista Ana Castro, uma das criadoras do coletivo brasiliense Filhas da Mãe, há quase cinco anos. O projeto já foi homenageado com o Prêmio Marielle Franco de Direitos Humanos, no Distrito Federal, neste ano. O grupo criou ainda o Guia de Serviços Públicos para Pessoas Idosas com Demências e para Cuidadoras/es no Distrito Federal. Ana cuidou da mãe, Norma, por 14 anos, após o diagnóstico de Alzheimer. Mesmo depois da morte da mãe, resolveu manter o ativismo e lutar por pessoas que viram suas vidas mudarem muito. Norma tinha três cursos superiores, e isso garantiu resistência cognitiva para que o quadro evoluísse com menos velocidade. Mas tudo mudou muito. “Nasceu o meu neto. Enquanto ele aprendia a falar, andar e comer, minha mãe desaprendia comer, falar e andar”. Hoje, aos 68 anos, Ana Castro defende que haja atenção profissional também para quem cuida de pessoas com a doença. “A gente aprende muito com a troca fralda, o horário do remédio. Custa muito caro no Brasil você cuidar de uma pessoa com demência”, afirma. O grupo atua no acolhimento das cuidadoras e na troca de informações sobre serviços públicos e particulares. O coletivo, que promove saraus e desfiles de Carnaval (falando de Alzheimer), também luta por políticas públicas e para dar visibilidade às demandas de pacientes e cuidadores. “Nós conseguimos, juntamente com o Fórum de Defesa do Idoso aqui do Distrito Federal, aprovar uma lei na Câmara Legislativa, sobre a política distrital de tratamento das pessoas com demência e cuidadores. Infelizmente essa lei ainda não foi implementada no DF. A gente tem até uma audiência pública para cobrar”. Uma das iniciativas está marcada para a manhã deste domingo (24), na Avenida W3, na Asa Sul. Trata-se da caminhada da memória, com atividades gratuitas. O grupo tem a preocupação de divulgar fatores de risco para a doença, como está no panfleto que o coletivo distribui. A Associação Brasileira de Alzheimer reúne, em sua página, iniciativas voltadas a cuidadores e pacientes, a fim de diminuir o isolamento de quem passa por essa situação. Fora do manual A rotina atual de Ana Castro não é como a de antes e, segundo ela, o processo deixa marcas. Ela se recorda de quando a mãe olhava, pelo celular, imagens da sua cidade natal, Santa Marta da Purificação (BA), e conta histórias que ficaram. “Eu era uma cuidadora, uma personal palhaça. Essas sacadas que a gente vai descobrindo não tem em manual médico”. Para a jornalista, há
Covid-19: pesquisa reforça segurança de vacinas para gestantes e bebês
Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) reforçou as evidências científicas de que as vacinas CoronaVac e Pfizer contra covid-19 são seguras para gestantes e bebês, independentemente da fase da gestação. O trabalho faz parte do projeto Vigivac e foi publicado no periódico científico International Journal of Epidemioloy, da Universidade de Oxford, no Reino Unido. O pesquisador Manoel Barral, um dos que assina o artigo, considera que o trabalho é mais uma evidência da segurança do uso das vacinas contra a covid nessa população, que merece atenção especial pelas suas características imunológicas. “As vacinas [contra a covid] usadas no Brasil são efetivas e seguras”, assegurou. Resultados Os dados apontam que a vacinação contra covid-19 não aumenta o risco de resultados adversos no nascimento. Não foi encontrado um aumento significativo de bebês com nascimento prematuro, com baixo peso ou pequeno para a idade gestacional, com Apgar abaixo de cinco (escala de avaliação clínica rápida de recém-nascidos) ou de morte neonatal. Além disso, foi constatada uma proteção leve, mas consistente, contra o nascimento prematuro em mulheres que receberam diferentes plataformas de vacinas durante o terceiro trimestre de gravidez. As conclusões partem de dados de mais de 17 mil nascidos vivos no Rio de Janeiro em 2021, em uma parceria com a prefeitura carioca. Fonte
Falta de diagnósticos para Alzheimer preocupa especialistas
Dados do 1º Relatório Nacional de Demências – a serem publicados até o fim de 2023 – devem mostrar uma situação preocupante para a saúde pública no Brasil. A quantidade de pessoas não diagnosticadas com a Doença de Alzheimer deve estar na faixa de 75% a 95%, dependendo da região brasileira, segundo adiantou à Agência Brasil a médica e pesquisadora Claudia Suemoto, da Universidade de São Paulo (USP). O relatório encomendado pelo Ministério da Saúde – e coordenado pela professora Cleusa Ferrim da Universidade Federal de São Paulo – deve apontar, por exemplo, que o número de pessoas com a doença pode estar na faixa dos 2,4 milhões. A doença é conhecida pela perda progressiva de memória, entre outras consequências. A incidência é majoritariamente entre pessoas idosas. “As taxas de não diagnóstico no Brasil são alarmantes. Quando vimos inicialmente os dados, pensamos que estavam errados. Recalculamos e era isso mesmo. A gente precisa ter mais conscientização sobre o Alzheimer. Há ainda estigmas”, afirma a pesquisadora. A campanha de 2023 para o Mês de Conscientização para o Alzheimer (Setembro Roxo) traz o tema “Nunca é cedo demais, nunca é tarde demais”, com foco maior na prevenção. “Quanto mais a gente falar, muito menos não diagnósticos a gente vai ter. Haverá menos estigma e mais prevenção”, afirmou a professora. O professor de medicina Einstein de Camargos, da Universidade de Brasília, explica que a realização do diagnóstico precoce possibilita mais possibilidades de intervenções. “Não só com medicamentos, mas sobretudo com terapias cognitivas, estimulação, terapia ocupacional, exercício físico, fazendo com que esse processo seja mais lento”. Ele entende que, mesmo havendo subnotificação da doença, há maior visibilidade dos casos de Alzheimer. Maior fator de risco Especialistas apontam que há um consenso de que, dentre os fatores de risco para a doença, há um deles que não é propriamente da área de saúde: a baixa educação. “Esse é um fator modificável para os quadros demenciais (como é a doença de Alzheimer). Se a gente melhorar a qualidade da educação, por exemplo, do povo brasileiro, a gente vai diminuir os risco para demência. Inclusive esse é o fator de risco mais importante no Brasil”, afirma a professora Claudia Suemoto. O professor Einstein de Camargos, da UnB, entende que esse dado é extremamente importante porque mostra que a maior prevenção não está dentro da área da saúde em si. A escolaridade pode ser transformadora para a saúde em diferentes sentidos. E nesse caso é orgânico. Os médicos explicam que a resistência aos efeitos do adoecimento devem estar relacionados à reserva cognitiva que uma pessoa tem. “Se a pessoa teve uma maior estimulação cognitiva durante a vida, vai ter uma ‘poupança’ maior, com grande número de neurônios”, afirma a professora Resistência O que se observa no cérebro de pessoas que desenvolveram a doença de Alzheimer é o acúmulo de proteína beta-amilóides. Quanto maior a “força” cerebral mais resistência haverá contra a presença da proteína. Camargos elenca que essa resistência está, além do aumento da escolaridade, na redução do tabagismo, no controle do diabetes e da pressão arterial. É, então, boa notícia que são fatores de risco modificáveis na vida do indivíduo e da sociedade. Claudia Suemoto aponta que se estima que 48% dos casos são relacionados a fatores de início de vida (baixa escolaridade), da meia idade (hipertensão arterial, perda auditiva, traumatismo craniano, obesidade e consumo excessivo de álcool) e da terceira idade (diabetes, tabagismo, depressão, isolamento social, poluição ambiental e falta da atividade física). “São todos fatores simples, mas bastante prevalentes. Se a gente modificasse a frequência deles na população, a gente estaria prevenindo demência, com certeza”, diz a professora. Uma boa notícia é que as melhores condições de vida diminuem os casos novos. Evoluções Se, por um lado, há subnotificação, segundo a professora Claudia, o que tem acontecido nos últimos 10 anos principalmente para a doença de Alzheimer é que tem melhorado muito o diagnóstico. Na década passada, quando havia uma queixa de memória, a pessoa fazia alguns testes no consultório. “Só que atualmente a gente consegue medir proteínas depositadas no cérebro e que são associadas a doença de Alzheimer”. Foi o médico Alois Alzheimer quem descreveu a doença no início do século 20, identificando lesões cerebrais. Antes, porém, não era possível medir essas proteínas com pessoas vivas. Atualmente já é possível medir essas proteínas no liquor (o líquido que envolve o cérebro). Mas, para fazer o exame era preciso um procedimento muito invasivo. Hoje, o exame se tornou mais acessível com auxílio da medicina nuclear. Remédios A médica Claudia Suemoto entende que há também alguma evolução nos medicamentos. “Hoje em dia, a gente já tem três drogas que limpam essa proteína beta-amilóide com resultados promissores. Limpam essas proteínas em pessoas com a doença mais leve. Então, a gente está tentando entender quais são os efeitos a longo prazo”, avalia Claudia. Ela contextualiza que existe efeito colateral nessas drogas que precisam ser avaliados. “É tudo muito novo, mas finalmente a gente tem uma medicação que parece mexer no mecanismo da doença”, opina. Einstein de Camargos avalia que os medicamentos ainda saem muito caros e estão longe ainda da aplicabilidade. Procura por ajuda Os médicos explicam que queixas de memória são sintomas mais conhecidos relacionados à doença. Lembranças do presente, fatos importantes do passado, nomes de pessoas tornam-se desconhecidos para quem tem a doença. Mas é possível identificar como possíveis sintomas também pela perda de planejamento e confusão mental. “A pessoa tinha afazeres domésticos e está tendo uma certa dificuldade. Não consegue mais dirigir, lembrar a rotina… Esses fatores são os que mais chamam atenção no dia a dia. Fora isso, deve-se ter atenção do ponto de vista do comportamento fora do habitual. A pessoa deve procurar um médico para afastar a doença de Alzheimer como primeira causa”, exemplifica Camargos. Sono e atividade física Especialistas concordam ainda que existem medidas de prevenção fundamentais para evitar a doença, e passam também por necessidade de repousar. “Quem dorme menos de seis horas por noite aumenta o risco em
Crianças “zero dose”: como vulnerabilidades produzem exclusão vacinal
A cobertura de 77% contra a poliomielite indica que praticamente um em cada quatro bebês não tomou essa vacina em 2022 no Brasil – uma proporção bem distante do objetivo de 95%. Já a meta alcançada de vacinar 90% dos bebês com a BCG, apesar de ser um dado positivo, ainda indica que uma em cada dez não recebeu essa importante proteção contra a tuberculose. Embora sejam os principais parâmetros para acompanhar a imunização, as coberturas escondem que um grupo de crianças acumula vulnerabilidades de toda ordem e está exposto a todos os agentes infecciosos imunopreveníveis, devido às desigualdades sociais, raciais e econômicas. Para jogar luz sobre essa invisibilidade, organismos internacionais trabalham com o conceito de crianças “zero dose”. Em todo o mundo, mais de 14 milhões de crianças se enquadram nessa situação e são consideradas totalmente excluídas das ações e programas de imunização. Apesar do nome, o conceito não significa necessariamente que essas crianças não receberam nenhuma dose de vacina. A primeira dose da vacina DTP, contra difteria, tétano e coqueluche, é tomada como referência para essa medição. Por ser uma vacina de baixo custo, com décadas de uso, adotada em praticamente todo o mundo e prescrita para o segundo mês de vida, os cientistas consideram que uma criança que não teve acesso à dose 1 da DTP no primeiro ano de vida é uma criança zero dose. Meta global No Brasil, a imunização com DTP está incluída na vacina pentavalente, que adiciona as proteções contra a hepatite B e a bactéria haemophilus influenza B, causadora de um tipo de meningite. Apesar de ter o maior sistema público de saúde do mundo, o SUS, e o mais amplo programa gratuito de imunizações do mundo, o PNI, o país tem mais de 430 mil crianças nessa situação, sendo o oitavo do mundo em números absolutos. Integrante do grupo consultivo de vacinas da Organização Mundial da Saúde (Sage/OMS), Cristiana Toscano explica que o indicador de zero doses é atualmente a principal medida da inequidade no acesso às vacinas. A Agenda de Imunizações de 2030, traçada globalmente com objetivos ambiciosos, pretende reduzir esse grupo de crianças pela metade até o fim da década. “Esse dado significa que a criança não teve acesso à vacinação. Tem as subvacinadas, mas a zero dose é um marcador extremo de desigualdade. É por isso que essa é uma meta muito importante”, definiu, em apresentação na Jornada Nacional de Imunizações, realizada pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) em Florianópolis. Ainda que tenha havido uma melhora em relação ao ano passado, quando havia 18 milhões de crianças zero dose, o mundo ainda está longe de cumprir essa meta. Em 2019, quando foi pactuada a agenda, eram quase 13 milhões de crianças sem a dose 1 da DTP, o que significa que os esforços feitos até agora não apenas não reduziram a desigualdade como ainda aumentou no período, marcado pela pandemia de covid-19. >> Veja aqui especial 50 anos do programa de vacinação Bolsões e periferias Essas crianças não estão apenas em países de renda mais baixa, mas também em zonas de conflito e bolsões de pobreza em países de renda média e até renda alta. A chefe de saúde do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Luciana Phebo, conta que, no Brasil, elas também não estão necessariamente nos estados e municípios mais pobres, mas também nas periferias das cidades mais ricas do país. “No Brasil, elas estão principalmente nos estados mais populosos, nas periferias. São Paulo e Rio de Janeiro, apesar de serem mais ricos, são também mais populosos. O número zero dose traz essa combinação de maior número, e por isso o Brasil está no ranking, mas também de países pobres e territórios pobres”. Nesse contexto, a chefe de saúde do Unicef acrescenta que estar nos territórios mais empobrecidos é apenas uma das características que marcam essas crianças expostas a tal nível de exclusão. “Em todos os vieses que falam de empobrecimento e vulnerabilidade, não só dentro do Brasil, mas no mundo, você vai encontrar as crianças zero dose. Tem um viés claro de raça, etnia e pobreza”. Se fosse um município, a cidade das crianças zero dose estaria entre as 60 mais populosas do país. Mesmo assim, o número atual de 430 mil representa uma melhora em relação a 2021, quando havia 710 mil crianças nessa situação. Luciana Phebo afirma que esse avanço já é reflexo da recuperação das coberturas vacinais, que ainda tem um longo caminho pela frente. Salvar vidas O problema da baixa na imunização não é exclusivo do Brasil, e os dados da Agenda de Imunização 2030 apontam que a velocidade com que as metas estão sendo perseguidas não tem sido suficiente para que o mundo alcance os objetivos da década. Cristiana Toscano exemplifica que o número de vidas salvas pelas vacinas está aumentando em velocidade menor do que a necessária para chegar ao total de 50 milhões desejado para 2030. Entre essas milhões, muitas precisam ser as de crianças zero dose. “As notícias não são boas. Surtos de doenças preveníveis por vacinas estão aumentando. Os surtos grandes de sarampo duplicaram em 12 meses, saindo de 16 e chegando a 33 entre maio de 2022 e maio de 2023. As lacunas da vacinação do sarampo estão causando um grande impacto no surgimento de novos surtos em todas as regiões”, lamenta a pesquisadora, que defende mais cooperação internacional. “A gente não consegue só cuidar da nossa casa, a gente precisa olhar para os nossos vizinhos e para todos para avançar”, afirma. *O repórter viajou para Florianópolis a convite da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Fonte