Mais de 50 famílias de agricultores em situação de vulnerabilidade social receberam apoio da Defensoria Pública do Rio de Janeiro para regularização de moradias em Cachoeiras de Macacu, na região metropolitana do Rio. Vivendo em um terreno sem abastecimento de água e sem eletricidade, os agricultores são alvo de ação judicial em que o município pede a reintegração de posse.
Atualmente, uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) permite que as famílias permaneçam no local.
Segundo a defensora pública Maísa Sampaio, há possibilidade de diálogo. “O município informou que existe interesse de construir moradia popular no local por meio do programa estadual Casa da Gente. Temos algumas preocupações: queremos que o município informe se seriam contempladas todas as famílias que já estão lá. E não sabemos se o projeto irá contemplar os hábitos e costumes dessa população, que vive em casas com quintal, pequenas plantações, animais. É uma população rural.”
Nos últimos dias, defensores públicos visitaram a área, conhecida como Loteamento do Taboado, para discutir a situação com as famílias. O intuito é obter do poder público compromisso não apenas com a regularização da moradia, como também com a implementação de serviços de saneamento básico e de iluminação. Pedidos individuais para fornecimento de energia elétrica foram negados administrativamente pela Cooperativa de Eletrificação Rural de Cachoeiras de Macacu e Itaboraí, responsável pelo atendimento na região.
Nas redes sociais, moradores criaram um perfil que reúne informações sobre a situação e divulga imagens da produção agrícola. Eles se referem ao terreno como Ocupação Aldir Blanc, em homenagem ao compositor que morreu em 2020. “As pessoas aqui são trabalhadoras, honestas. Só querem construir sua casa, plantar e viver com sua família em paz”, diz uma moradora em um dos vídeos divulgados no perfil.
Procurada pela Agência Brasil, a prefeitura de Cachoeiras de Macacu não deu retorno. Na ação em que busca a reintegração de posse, o município sustenta que a ocupação é irregular e que existem famílias que têm residência em outra localidade. Alega ainda que as pessoas vivem em condições de higiene precárias em meio à pandemia de covid-19, o que agravaria o risco de disseminação da doença.
O terreno do Loteamento do Taboado pertencia a um particular até 2003, quando foi desapropriado pelo município. Desde então, não houve nenhuma intervenção no local. O município também alega, na ação de reintegração de posse, que as famílias se instalaram recentemente. Segundo Maísa Sampaio, a escritura do terreno registra que, em 2003, já havia casas populares no local.
A defensora pública disse algumas pessoas estão lá há mais tempo e outras, há menos tempo. “A ocupação do terreno como um todo é muito mais antiga. Famílias que se organizaram mais recentemente passaram a dar o nome de Ocupação Aldir Blanc”, explicou Maísa. Ela acrescentou que o município não exercia a posse do terreno. “Podiam ter a propriedade, mas não a posse, porque não realizavam nenhum ato sobre ele.”
Processos
A prefeitura chegou a obter uma liminar para efetuar a reintegração de posse, mas, em setembro do ano passado, a decisão foi derrubada. O desembargador do TJRJ André Cidra considerou prudente uma tentativa de conciliação entre as partes antes de se discutir uma desocupação coletiva. Dessa forma, as famílias tiveram permissão para permanecer no local.
“Vê-se, assim, que prepondera o postulado da dignidade humana em se tratando de questões que envolvem a coletividade da população, mormente por se tratar de desocupação de área pela municipalidade, em que vivem idosos e crianças, com o uso prematuro e inadmissível da força policial, não devendo ser concedida liminar que favorece o direito de propriedade com violação aos direitos fundamentais”, escreveu, na ocasião, o desembargador.
Em junho desse ano, o processo passou a tramitar em sigilo. As famílias são representadas pela Defensoria Pública. A instituição sustenta que a ocupação já está consolidada e que os moradores desenvolvem agricultura familiar com produção variada de verduras, legumes e frutas e gerando renda e segurança alimentar.
Há ainda dois processos relacionados à situação. Um deles foi movido pela própria Defensoria Pública antes mesmo de o município demandar a reintegração de posse. A ação contestava uma intervenção da Guarda Municipal, que compareceu ao terreno para tirar as pessoas sem decisão judicial.
Outro processo, aberto pelo município em 2020, sustenta que as famílias descumprem normas ambientais e de saneamento. Maísa Sampaio considera que se trata de uma forma de pressão, pois não cabe determinação de desocupação em ações desse tipo. “Em visitas ao local, constatamos que as famílias não jogam esgoto no rio. Pelo contrário, mesmo sendo pessoas com poucos recursos, elas têm fossas ecologicamente sustentáveis”, afirma a defensora pública.