Delegados envolvidos em mortes e torturas são condenados a pagar 1 milhão de reais


A Justiça condenou os ex-delegados de São Paulo Aparecido Laertes Calandra, David dos Santos Araújo e Dirceu Gravina, acusados de tortura e mortes durante a ditadura militar, a pagar indenização de R$ 1 milhão, cada um, a título de dano moral coletivo. Os três são aposentados. A sentença foi dada pela juíza Diana Brunstein, 7ª Vara Cível Federal de São Paulo, que acolheu o pedido do Ministério Público Federal (MPF).

Segundo a sentença, dada no último dia 18, o valor da indenização deve ser revertido ao Fundo de Direitos Difusos, que tem por finalidade a reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos.

Na sentença, a juíza destaca que o pedido do MPF apresenta minucioso relato do contexto histórico da ditadura militar no Brasil e das formas de atuação e estrutura do Destacamento de Operações e Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) e da Polícia Civil e comprova a participação nos atos de tortura e homicídio, “bem como as graves violações de direitos humanos supostamente praticadas pelos corréus pessoas físicas em relação a cada uma das vítimas citadas”.

Diana Brunstein ressalta ainda a imprescritibilidade de crimes contra a humanidade, das ações declaratórias e da reparação ao patrimônio público.

Entre as vítimas dos delegados estão Vladimir Herzog, Manoel Fiel Filho, Hiroaku Torigoe, Carlos Nicolau Danielli, Joaquim Alencar de Seixas, Aluizio Palhano Pedreira Ferreira, Yoshitane Fijimori. De acordo com a juíza, os delegados usaram o poder de forma ilegal, motivo pelo qual devem ser responsabilizados civilmente.

Ainda cabe recurso da decisão de ambas as partes, já que outros pedidos do MPF não foram aceitos pela Justiça.

Escadas de acesso às salas de tortura no antigo prédio do DOI-Codi em São PauloRoberto Navarro/Alesp

Acusações
A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público Federal em função das graves violações aos direitos humanos. Os alvos eram Aparecido Laertes Calandra, conhecido no DOI-Codi como “Capitão Ubirajara”; David dos Santos Araújo, que usava o nome falso “Capitão Lisboa”; e Dirceu Gravina, dono do codinome “JC”.

Segundo o MPF, os réus tinham liberdade para repreender organizações de oposição ao governo entre as décadas de 1960 e 1970, por meio do uso generalizado de tortura como forma de obtenção de informações.

Tal situação levou à morte de opositores do regime, como a do militante Carlos Nicolau Danielli, dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), nas mãos de Ubirajara; e a de Joaquim Alencar de Seixas, dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), por parte de Lisboa.

Em sua defesa, os delegados alegaram que não torturaram as vítimas e que todas as mortes ocorreram em tiroteio com os “subversivo-terroristas” ou em locais fornecidos por eles mesmos para tentar a fuga ou o suicídio.

Responsabilização
A juíza Diana Brunstein se baseou no “minucioso trabalho” produzido pelo MPF, “a partir de robusta prova documental”, que comprovava “tanto o vínculo dos réus com a estrutura do DOI-Codi” quanto “o envolvimento dos mesmos nos atos de tortura, homicídio e desaparecimento das vítimas em apreço”.

Dentre os documentos apresentados estavam autos de exibição e apreensão, correspondências de presos políticos, reportagens investigativas, fichas profissionais e perícia da Divisão Criminalística do governo paulista, além de depoimentos das testemunhas.

Assim, a juíza reconheceu que os delegados, “investidos de poder estatal”, causaram “indiscutíveis danos psíquicos/morais à sociedade brasileira como um todo”.

Diana lembrou que, mesmo no período do regime militar, a tortura era proibida pela Constituição de 1969, ainda que condutas do tipo fossem institucionalizadas.

Pedidos negados
O MPF solicitava que os delegados também fossem condenados a restituir indenizações pagas pela União em razão das mortes e dos desaparecimentos. Mas Diana entendeu que o ressarcimento seria “inconcebível”, pois o Estado foi “conivente com tais ilícitos”. Também não seria possível calcular com precisão o quanto cada réu pagaria.

Outro pedido do MPF era pela perda de funções e cargos públicos que os delegados eventualmente estivessem exercendo, pela desconstituição de seus vínculos com o Governo de São Paulo e pela cassação das suas aposentadorias.

Porém, a juíza explicou que a Vara Cível não teria competência para tanto. Nada disso poderia acontecer sem a instauração de processo administrativo disciplinar (PAD).

A magistrada também rejeitou a condenação dos governos federal e estadual a pedir desculpas formais pelos atos. Isso porque o Estado, “há tempos, reconheceu oficialmente sua responsabilidade pelas mortes e desaparecimentos ocorridos no período da ditadura e vem, ao longo dos anos, promovendo diversos atos que visam o resgate e memória da verdade dos fatos ocorridos em tal momento histórico”.

Por fim, o MPF pedia que o governo paulista revelasse os nomes e cargos dos servidores que foram requisitados, designados ou cedidos para atuar no DOI-Codi e especificasse os períodos em que exerceram suas funções no destacamento militar. Diana considerou que o requerimento seria excessivamente genérico e impreciso, “o que dificulta consideravelmente o cumprimento da obrigação”.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil



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