Jacaré em passarela na Barra da Tijuca vira atração no Rio; veja vídeo

Um grupo de pessoas se aglomera na passarela do Terminal Alvorada, na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro. Na frente deles, um jacaré. Um homem chega a montar na grade tentando chegar perto do animal que, acuado, abre a boca mostrando os dentes. O vídeo, gravado ontem (29), viralizou na internet e foi amplamente divulgado pelos meios de comunicação.

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O jacaré que aparece na gravação é um dos 1.203 animais silvestres que foram capturados pelo Corpo de Bombeiros na capital fluminense apenas este ano. O número dos registros de ocorrência envolvendo animais como aves, capivaras, cobras, gambás, jacarés, lagartos, macacos, morcegos, ouriços e porcos-espinho aumentou nos últimos anos, segundo os dados da corporação. Em 2020, foram 2.419 ocorrências envolvendo captura de animais silvestres e, em 2021, 3.534.

O jacaré foi encontrado no início da manhã desta quarta-feira (30). O Corpo de Bombeiros do estado foi acionado às 5h50 e o chamado foi atendido pelo quartel da Barra da Tijuca. De acordo com o Corpo de Bombeiros, o jacaré estava bem, sem ferimentos. Ele foi capturado e solto no Canal de Marapendi, localizado na própria Barra da Tijuca. Ninguém foi ferido.

Em dia de greve dos ônibus na cidade, o jacaré virou piada nas redes sociais. “Greve de ônibus rolando e um jacaré na passarela pra não deixar a galera trabalhar!”, diz um usuário do Twitter. Outra usuária se identificou com o animal: “Às vezes me dá vontade de fazer igual o jacaré da Barra da Tijuca, sair sem rumo”.Houve também quem elogiasse a conduta do réptil. “Está certo o jacaré. Errado está quem tenta atravessar a autopista, ignorando a passarela”.

Pelo Instagram, o Instituto Jacaré, especializado em ecologia, conservação e manejo de crocodilianos, prontamente se manifestou. “Precisa dizer mais sobre a necessidade de um programa de resgate de fauna? O mais impressionante é fazerem piada com a situação, reflexo da saturação ambiental”.Desequilíbrio ambiental. O presidente do Instituto Jacaré e do EcoCaiman, Ricardo Freitas, explica que a região, que concentra grande número de jacarés-de-papo-amarelo, é alvo também de poluição e de grande crescimento imobiliário, o que impacta diretamente a vida dos animais. “A falta de apoio técnico de especialistas atuando antes do empreendimento avançar leva o empreendimento a passar por cima de tudo”, disse Freitas. Ele disse que muitos jacarés acabam sendo aterrados junto com as lagoas para as construções e que, ao contrário do que se pensa, eles não fogem e acabam morrendo. Hoje, cerca de 85% dos jacarés são machos, o que faz com que a população esteja tendendo ao declínio.

“O jacaré-de-papo-amarelo no Rio de Janeiro é uma espécie chave, tem o poder de manter o equilíbrio de toda a comunidade biológica porque é um predador topo de cadeia, se alimenta de todo tipo de presa, ele é o equilíbrio da população de todas as outras espécies”, explica Freitas. “É de grande importância e relevância na conservação de todo o nosso ecossistema e, consequentemente, da qualidade de vida”.

Falta de monitoramento

O professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro Carlos Eduardo de Viveiros Grelle faz um alerta para a falta de um monitoramento ambiental constante e institucional. “Nós não temos um monitoramento ambiental, não estamos acompanhando o que está acontecendo”, alerta o pesquisador, acrescentando “nós estamos em um trem fantasma, em um avião sem piloto, não sabemos o que está acontecendo na natureza”.

De acordo com Grelle, não é possível saber ao certo porque esse jacaré subiu a passarela, isso porque a natureza está sujeita a uma série de impactos que podem fazer parte de um ciclo natural ou serem resultado da ação dos seres humanos. Para que a situação tanto dos jacarés quanto de diversas outras espécies seja melhor compreendida, é necessário, segundo ele, um monitoramento constante conduzido seja por governos locais ou pelo federal, seja por universidades. Ele ressalta que algumas mudanças, por exemplo, passam a ser notadas apenas com 50 anos de acompanhamento, dai a importância de um acompanhamento de longo prazo.

A própria pandemia da covid-19, de acordo com o pesquisador, mostrou a importância desses estudos. “O coronavírus é uma zoonose, é uma doença silvestre que passou para o homem. Isso aconteceu várias vezes durante a humanidade. Mas o que faz uma doença sair do meio silvestre a atacar a população humana? Isso é muito pouco entendido”, disse Grelle.

“Nós temos uma vida silvestre muito diversificada, cheia de vírus. O que pode nos ajudar a ter contato com o vírus? Desmatamento desordenado, a gente segue desmatando sem saber que espécies estão naquele lugar, quais doenças estão circulando naquele ambiente”, destacou.Ação da prefeituraProcurada, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente da cidade informou que está estruturando um programa de proteção da fauna e da flora ameaçada do município. O primeiro passo será a formação de uma comissão composta por especialistas de universidades e de órgãos da prefeitura, que terá como objetivo dar apoio técnico e científico às futuras ações.

Segundo o biólogo da gerência de Planejamento e Proteção Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Cidade Jorge Pontes, em abril essa comissão deverá ser oficializada. “A ideia desse programa é começar a dar diretrizes e fazer um mapeamento”.“Têm grandes áreas úmidas do Rio [de Janeiro] que estão sendo perdidas. Estão se tornando residências ou áreas comerciais, e esses animais estão perdendo espaço”, disse Pontes, destacando que as mudanças climáticas observadas em todo o mundo também ocorrem no município e impactam a vida dos animais.“Cabe a nós, órgãos públicos, começar a esclarecer e a educar a população.

A convivência com jacarés e outros animais silvestres está se tornando cada vez mais frequente. [A população] tem que aprender a conviver e a evitar atitudes e comportamentos que tragam algum risco para ambos os lados”, disse o biólogo.Pontes orienta a quem se deparar com animais silvestres a entrar em contato com a patrulha ambiental, por meio da central 1746, e, caso não consiga, a acionar o Corpo de Bombeiros. O biólogo ressalta que é preciso ter autorização para manejar animais silvestres e quem não tem essa permissão está cometendo um crime ambiental. A soltura do animal deve levar em conta as suas especificidades. No caso dos jacarés, que são animais territorialistas, caso um animal seja colocado em um território que não é o dele, ele poderá ser morto por outros jacarés.

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