‘Mercado da honestidade’ ganha espaço no Brasil, com multiplicação de lojas do tipo ‘pegue e pague’

País já tem de 5 mil a 6 mil estabelecimentos comerciais, sem caixa ou atendente, instalados em condomínios ou prédios corporativos

O Brasil já viveu o boom dos hipermercados, dos atacarejos, das lojas de conveniência e agora vê um novo fenômeno, o das lojas de super proximidade, dentro de condomínios ou prédios corporativos. Elas se baseiam no “mercado honesto”, ou seja, não há atendentes e o cliente pega e paga pelos produtos.

Analistas estimam que já existam de 5 mil a 6 mil lojas do tipo no país, com potencial para movimentar até R$ 3,5 bilhões por ano, com salgadinhos, refrigerantes, comida congelada, desodorantes e produtos de limpeza.

— É um modelo que interessa às grandes marcas porque está quase “no sofá das casas” e vai crescer num ritmo de 10% nos próximos anos — diz Jean Paul Rebetez, sócio-diretor da Gouvea Consulting, braço de consultoria da Gouvea de Souza, especializada em varejo.

A Gouvea Consulting fez um estudo sobre essa tendência. Em condomínios com mais de 30 casas já surgem “lojas autônomas”, em cidades do interior do país ou periferias das grandes cidades. Elas se parecem mais com gôndolas de supermercados, e são diferentes das vending machines.

O conceito de mercado honesto foi consolidado pela Amazon, que criou a Amazon.Go, mercado inteligente que usa tecnologia para realizar as vendas sem intervenção humana, e entrou em operação comercial em 2018.

Há lojas similares a minimercados, em locais mais protegidos, com câmeras, e dispositivos antifraudes, como identificação do cliente pelo CPF. Mas as menores ficam em locais como o saguão de empresas ou academias de ginásticas, que contam no máximo com a câmera de vigilância do prédio.

Minimercados contam com câmeras e dispositivos antifraudes, como identificação do cliente pelo CPF — Foto: Divulgação/Imagine Store

Minimercados contam com câmeras e dispositivos antifraudes, como identificação do cliente pelo CPF — Foto: Divulgação/Imagine Store

O índice de clientes que “esquecem” de pagar pelos produtos no país fica entre 2,7% e 3,5%, dentro do que acontece em outros países, o que não traz prejuízo às operações. Mas quando esse índice sobe, num condomínio, por exemplo, a empresa pode pedir ajuda do síndico e das câmeras.

A comodidade nas compras, porém, tem custo:

— São (preços) entre 10% e 15% mais altos do que no mercado da esquina. É um prêmio que as pessoas acham que vale pagar — diz Jean Paul, da Gouvea Consulting.

A jornalista Helena Benfica, de 24 anos, de Belo Horizonte, costuma pegar lanches da tarde nas gôndolas de honest market da cidade.

— Ajuda muito quando a fome aperta, mas é preciso saber que os valores são mais altos — afirma.

Grandes redes e startups

Grandes redes de varejo alimentício estão aderindo ao modelo. O Hirota, rede de mercados de São Paulo, tem 120 lojas na capital paulista, em grandes condomínios residenciais, e abriu doze Hirota Office, em empresas como Bradesco, Magalu, Itaú e Santander. A meta é chegar em 2025 com 500 pontos em condomínios residenciais.

— Nossas lojas são em condomínios com mais de 300 apartamentos e vão muito bem, tendo o melhor resultado da companhia — diz Helio Freddi Filho, diretor de expansão do Hirota.

O Carrefour tem 29 mercados autônomos em São Paulo, a maioria em condomínios. Pelo aplicativo, o consumidor tem acesso à loja, escaneia os produtos, consulta preços, fecha o carrinho digital. Suas lojas variam de 15 metros a 50 metros quadrados e este modelo só é operado no Brasil pela rede francesa, diz João Gravada, diretor de proximidade do grupo:

— Essas lojas fazem parte da estratégia do Carrefour de estar disponível onde o consumidor precisar.

As empresas do setor são, na maioria dos casos, startups. Algumas até oferecem franquias de suas lojas, como a Market4u, de Curitiba, com 2,1 mil lojas em 22 estados, sendo 190 próprias e o restante franquias. O investimento inicial fica em R$ 130 mil, com direito à montagem de cinco pontos. O faturamento estimado de cada loja é de cerca de R$ 10 mil.

A empresa faturou R$ 100 milhões ano passado, e já inaugurou um centro de distribuição em Osasco, em São Paulo, para atender 480 pontos de vendas na capital e no ABC paulista. O Market4u mapeou 50 mil condomínios com potencial para mercado autônomo e só um em cada cinco já tem o equipamento.

— Nossa meta, até 2028, é ter 50 mil lojas — diz Eduardo Córdova, CEO do Market4u.

A empresa usa tecnologia como travamento e destravamento das lojas pelo aplicativo e câmeras inteligentes que mostram quantos itens foram retirados e quantos foram pagos.

Com 64 lojas na Grande São Paulo, a Imagine Store quer chegar a 85 no fim do ano, seja em condomínios residenciais ou empresas como Grupo Fleury, BodyTech e Banco BTG Pactual, onde já atua com produtos de alimentação e bebidas, incluindo itens saudáveis. Há planos de se expandir para estados como Rio, Minas Gerais, Bahia, Paraná e Santa Catarina no próximo ano e chegar a 300 lojas em 2024, com franquias.

Daniele Romero, CEO da empresa, conta que o mobiliário é específico para cada ponto. A Imagine montou loja exclusiva de água mineral na Bienal de São Paulo. E criou comunicação visual, com telas de led, onde as marcas podem apresentar produtos aos consumidores. O pagamento pode ser feito por Pix, cartões de débito ou crédito.

— Desenhamos a loja com design específico para cada espaço. A indústria vende direto ao consumidor e nós fazemos a curadoria dos produtos — conta Romero, que durante 15 anos atuou com logística.Em Pernambuco, a Mercado Honesto tem 45 lojas em operação no Recife e começa a se instalar em Olinda, com mais de 350 rótulos de produtos. A empresa já tem um centro de distribuição e emprega 12 pessoas, entre pessoal de reposição das lojas e limpeza. Sao 68 fornecedores.

— No começo, usamos até refrigeradores usados — conta o arquiteto Rodrigo Cruz, um dos quatros ócios da empresa.

A Smart Brake tem 650 lojas próprias, em São Paulo, em hotéis, empresas e condomínios. Não oferece franquias. Foi uma das pioneiras do Mercado Honesto no país, em 2018, e já recebeu aportes de mais de R$ 40 milhões de investidores.

Ricardo Colas, CEO e fundador, conta que oferece 900 itens, entre vinho e carnes até desodorante. O mix de produtos varia em cada lugar. Seu índice de não pagamento é de 5%, mas ele diz que com dispositivos de inteligência artificial, e câmeras já consegue detectar atitudes suspeitas.

— Hoje, nas novas construções, assim como é obrigatório um espaço de academia, também já está sendo deixado um espaço para o mercado autônomo no prédio — constata.

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