Um relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, fruto de inspeções em 5 unidades do sistema prisional do Rio Grande do Norte, em novembro de 2022, entre elas a Penitenciária Estadual de Alcaçuz (foto em destaque), aponta uma série de violações no sistema penitenciário potiguar, que podem ter contribuído para a onda de violência no estado.
Dentre as violações listadas no relatório estão: falta de alimentação, marmitas estragadas, kits de higiene obrigatórios que não são oferecidos, insalubridade dos espaços, superlotação, falta de assistência à saúde, disponibilidade de água potável restrita em várias celas, além de poucas ações e projetos que promovam educação, trabalho e formação profissional do encarcerados.
Também fazem parte do cotidiano dos presos, agressões e outros castigos físicos e psicológicos praticados pelos agentes penais, inclusive com relatos de que presos em tratamento inicial de tuberculose são utilizados como vetores de contágio para castigar outros internos saudáveis.
Todo este rol de práticas ilegais constam do relatório, que deve ser apresentado oficialmente nos próximos dias.
Essa mesma inspeção foi realizada em três oportunidades: em 2017, após chacina que vitimou mais de 25 detentos em Alcaçuz; em 2018 e entre os dias 21 e 27 de novembro de 2022.
Bárbara Coloniese, perita do Mecanismo Nacional, órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, esteve nestas inspeções em duas oportunidades e diz que entre 2017 e 2022 nada mudou.
“As situações narradas encontradas em 2017 se repetem em 2022. Na nossa avaliação, a partir do momento em que você vai a um lugar, e um determinado momento, e anos depois você volta e você encontra o mesmo cenário, então não é possível fazer uma avaliação positiva. O espaço do cárcere, deveria ser um espaço de promover educação, trabalho, enfim, várias situações pra que a pessoa retorne à sociedade com alguma oportunidade. No entanto, não é isso que a gente vê. O espaço carcerário do Rio Grande do Norte se resume a um grande depósito de pessoas”, diz Bárbara.
A perita relata que antes mesmo da entrega do último relatório, as autoridades do Estado são notificadas antecipadamente sobre a situação apurada nas inspeções para tomar providências urgentes.
“Eu oficiei a governadora, eu oficiei o CNJ [Conselho Nacional de Justiça], eu oficiei o TJ [Tribunal de Justiça], o Ministério Público Estadual, eu oficiei todas as autoridades competentes do estado do Rio Grande do Norte. E nada foi feito”.
Em nota, o governo do Estado do Rio Grande do Norte disse que recebeu ofícios do Mecanismo Nacional e que adotou todos os encaminhamentos necessários, instaurou procedimento administrativo e acionou as autoridades competentes, mas não especificou o que foi feito na prática. A nota ainda afirma que recebeu o Mecanismo Nacional em apenas uma oportunidade, durante a última inspeção, no dia 25 de novembro.
Facções
Já ex-secretário nacional de Segurança Pública e conselheiro do Instituto Brasileiro de Segurança e Justiça, José Vicente da Silva Filho, afirma que este cenário é um facilitador para que os líderes das facções criminosas que cumprem pena atuem arregimentando membros dentro e fora dos presídios.
“Nós estamos com sobrecarga de presos no sistema prisional. Consequentemente, os criminosos estão sofrendo de alguma maneira, além do que devem sofrer pela pena legal. As condições carcerárias deploráveis, isso implica numa tensão gradual, e facilita a ação de indivíduos que oferecem proteção dentro dos presídios, que estão abarrotados de criminosos. O que faz, num primeiro momento, o pessoal aderir as facções é justamente ter uma proteção dentro dos presídios. E a partir daí vão intensificando as ligações”.