São Paulo: 1,6% da população sofreu estresse pós-traumático em 2022


Na Região Metropolitana de São Paulo, 1,6% da população diz ter sofrido de estresse pós-traumático nos últimos 12 meses e 3,2% já vivenciaram o problema ao longo da vida. Os dados são do estudo Correlação e Prevalência de Transtornos do Estresse Pós-traumático na Região Metropolitana de São Paulo, que foram divulgados na edição de dezembro do Journal of Psychiatric Research.

O transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) é uma condição de saúde mental que é desencadeada após uma pessoa passar, ou mesmo testemunhar, um evento traumático, explica o pesquisador do Instituto de Psiquiatria e primeiro autor do estudo, Bruno Mendonça Coelho, psiquiatra e doutor em ciências.

“Após tal situação [de trauma] o indivíduo desenvolve uma série de reações físicas e psicológicas de longa duração que geram intenso sofrimento. Os sintomas incluem angústia e ansiedade intensas, pesadelos, flashbacks, pensamentos disfuncionais entre outros sintomas”.

Os resultados do estudo indicam uma baixa prevalência do transtorno, no entanto, os pesquisadores alertam para o grande número de casos subsindrômicos, ou seja, aqueles em que a pessoa não apresenta todos os sintomas que configuram o transtorno, mas fica no limiar.

“A presença de um transtorno psiquiátrico numa pessoa é dada a partir de um conjunto de sinais e sintomas. Coletamos tais sinais e sintomas e, a partir de um certo número deles, consideramos que a pessoa tem a doença. Naquelas que têm um número de sintomas abaixo desse ‘limiar’ que o manual considera doença, a presença de sintomas intensos pode ser fonte de grande sofrimento. Por isso, temos que atentar para elas, pois elas têm um risco mais alto tanto de desenvolver o TEPT, quanto têm um maior risco de outros transtornos”, alerta Coelho.

O estudo contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e foi o primeiro a avaliar a Região Metropolitana de maneira sistemática, com uma amostra representativa da população.

Ao todo foram ouvidos 5.037 voluntários adultos. A iniciativa integra uma pesquisa maior, intitulada The São Paulo Megacity Mental Health Survey (Pesquisa sobre saúde mental na grande São Paulo), conduzida no âmbito do consórcio internacional World Mental Health (WMH), coordenado pela Organização Mundial de Saúde e pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, com mais de 20 países participantes.

Para Coelho, os dados são alarmantes. “Embora saibamos que o Brasil seja um país violento, ter os dados em mãos não deixa de ser surpreendente. Também é difícil perceber que vivemos em uma sociedade em que quase um terço da população da região metropolitana de São Paulo já passou por algum tipo de violência interpessoal. Isso é alarmante! Apesar disso (e dos casos que ficam abaixo do limiar para o diagnóstico), é um alento perceber que a maior parte das pessoas sobrevive a esse tipo de situação sem grandes danos”.

Sintomas e traumas

A intensidade e a frequência dos sintomas do TEPT também são aspectos relevantes, completa explica Wang Yuan Pang, pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), que coordenou o levantamento.

“São pessoas que estão muito sobressaltadas, que têm reações exageradas a vários estímulos e com ansiedade e depressão subsequente. Esses sintomas são sentidos todos os dias. É um problema altamente disfuncional, a pessoa não consegue trabalhar e levar uma vida minimamente satisfatória. Vale ressaltar que os casos subsindrômicos também podem ser disfuncionais”, diz.

O estudo mostra que os traumas mais relatados estão relacionados ao ato de testemunhar alguém sendo ferido ou morto ou ver um cadáver inesperadamente (35,7%) e ser assaltado ou ameaçado com uma arma (34%).

Segundo o estudo, os eventos mais comuns para os casos subsindrômicos foram morte súbita e inesperada de um ente querido (34%), violência interpessoal (31%) e ameaças à integridade física de outras pessoas (25%).

O estudo mostrou ainda que experiências relacionadas à violência interpessoal apresentaram uma maior probabilidade para o desenvolvimento do transtorno de estresse pós-traumático. Eventos como ser assaltado ou molestado sexualmente (21,2% no total) e ser estuprado (18,8% no total; sendo 18,4% para mulheres e 20,1% para homens) foram as duas experiências com maior chance de desencadear um quadro de estresse pós-traumático.

“É possível que alguns grupos de pessoas tenham maior chance de desenvolver o transtorno do que outras. Com os resultados do estudo, podemos observar, por exemplo, que há um recorte importante de gênero. O Brasil é um país violento e com alto índice de violência doméstica, sobretudo contra as mulheres, que estão mais propensas a desenvolver o transtorno de estresse pós-traumático após a exposição a esses eventos”, afirmou Coelho.

Somado aos fatores sociais, para as mulheres há ainda o fator biológico, afirma Coelho. “Mas há também, nas mulheres, uma maior vulnerabilidade biológica a transtornos de ansiedade no geral e à depressão”.

Políticas públicas

Wang ressalta que, em termos de saúde pública, o transtorno de estresse pós-traumático tem uma prevalência muito menor do que a de crises de ansiedade, pânico, ansiedade social ou de depressão.

“Levando em consideração os casos muito graves de depressão, pânico, ansiedade e outros transtornos, estimamos que aproximadamente 1 milhão de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo necessitam de tratamento especializado. Porém, somente 10% dos pacientes muito graves conseguiram receber algum tipo de atendimento, seja no serviço público ou no setor particular”.

O pesquisador ressalta a importância de dados atualizados para a construção de políticas públicas: “É importante que estudos futuros busquem identificar onde estão as pessoas que sofrem de estresse pós-traumático, para que recebam atendimento adequado”, diz Wang com base em trabalhos anteriores, em que se verificou o acesso à saúde mental na Região Metropolitana de São Paulo.

Coelho afirma que o tratamento dos casos envolve a psicoterapia, “principalmente as psicoterapias cognitivo-comportamentais e medicações psiquiátricas”, finalizou.



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