O amor fez a amazonense Sandra Garcia, de 30 anos, do município de Santo Antônio do Içá (distante 878 km de Manaus), ser a atual bicampeã brasileira de boxe na categoria mosca. Mas, não foi amor à primeira vista pelo esporte, mas, sim pelo marido: o boxeador Cássio Selvagem, que, ainda no ano de 2006, fez a atendente de padaria iniciar na carreira de lutadora. Sandra é a sexta atleta no ranking feminino elite 2019, com 800 pontos, na categoria mosca (até 51 kg).
“Entrei no boxe para ficar perto do meu marido. Na época [2006] estávamos separados, então comecei a treinar com esperança de reatarmos e deu certo. Parei de treinar um ano depois, mas voltei em 2013 após ele notar que eu tinha futuro”, relembrou a boxeadora.
Sandra já participou de várias competições, as mais importantes na carreira, como atleta de boxe, foram os Jogos Abertos do interior de São Paulo e o Campeonato Brasileiro, também em SP. Em todas as competições Sandra se destacou entre as três melhores.
Selvagem, o companheiro de Sandra, conta orgulhoso que investir na carreira da esposa foi a melhor escolha. “Ter uma esposa, hoje, como bicampeã brasileira e professora, para mim, é motivo de orgulho. O trabalho que foi feito valeu a pena e hoje colhemos os frutos. Só tenho orgulho”, destacou o boxeador emocionado.
Mudança de vida
Antes de entrar para a modalidade, Sandra trabalhava como atendente em uma padaria no bairro Cidade de Deus, Zona Norte de Manaus. O marido viu o potencial da esposa e a incentivou a permanecer no esporte. Com muito treino, suor e dedicação, a atleta passou a competir como profissional.
Atualmente, ela segue a rotina de treinos três vezes por semana na academia, junto com o marido Cássio, e três vezes na semana com o preparador físico Júlio Prado. A boxeadora sonha em transformar o ensino no esporte em um projeto social que beneficie jovens e adultos. Depois de muitas conquistas e vitórias com o esporte, Sandra decidiu repassar tudo o que foi ensinado na academia e hoje é professora de boxe unissex (homens e mulheres).
“O boxe mudou minha vida. Antes eu era atendente, hoje sou professora de boxe muito respeitada e gosto do que faço. Eu amo o esporte, por isso que ainda não parei de competir. Me sinto muito feliz em ser professora, agora ensino o que eu aprendi. É gratificante para mim e uma das coisas que mais quero desenvolver é um projeto voltado para o boxe, mas quem sabe adiante essa ideia amadureça. Porém, existem alguns bolsistas na academia, que estamos lapidando para algumas competições”, relatou Sandra com orgulho da trajetória como boxeadora.
Dificuldades
Como todo esporte, na carreira de Sandra houveram muitas dificuldades, principalmente no início de sua trajetória. Entre algumas destacadas por ela, estão a falta de apoio financeiro, patrocínio e o preconceito.
“Infelizmente, o boxe feminino depois de mim não teve nenhuma representante de alto rendimento. Eu acredito que seja por falta de incentivo e falta de competições, que deixam muito a desejar no Amazonas. A minha maior dificuldade foi a falta de apoio, pois a maioria das minhas competições eu só consegui apoio dos amigos e da família”, desabafou Sandra.
Com relação ao preconceito, a atleta confessa que ao ingressar na carreira não sofreu, pois, apoiada pelo esposo, treinava com homens. Atualmente, como professora, Sandra treina tanto o público feminino como o masculino, mas ainda há o tabu de ser ensinado por uma mulher.
“Ser uma mulher ensinando é bem difícil, e isso incomoda, mas quando experimentam o meu treino e minha forma de trabalhar mudam totalmente o modo de pensar. Eu gosto do que faço”, enfatizou.
Inspiração
A inspiração da atleta na modalidade é a irlandesa campeã mundial, em dois pesos, Katie Taylor, atualmente com 33 anos. “Ela luta muito! Me inspira porque é muito rápida e bate muito duro. Esse é também o meu estilo de boxe”, contou Sandra inspirada.
No esporte, a irlandesa soma 15 vitórias e segue invicta para novos desafios. Katie já foi aplaudida em pé pelos espectadores ao ganhar o quinto cinturão e conquistar o título dos pesos meio-médio-ligeiros em Manchester, na Inglaterra, em novembro deste ano.
Planos para o futuro
Como professora e competidora, Sandra quer alavancar o boxe feminino no Amazonas e já faz planos para o futuro no esporte. Sandra já está em preparação para o Campeonato Brasileiro de Boxe e continua a treinar atletas para participarem de competições locais e nacionais em 2020. Entre os planos, a amazonense conta esperançosa que planeja aumentar a família no ano que vem. “Ser mãe já entra na lista das prioridades para o novo ano”.
O esporte local
A Secretaria Municipal de Juventude, Esporte e Lazer (Semjel) informou que não incentiva de forma individual apenas uma modalidade como o boxe, mas desenvolve um trabalho amplamente para as modalidades desportivas. Um dos projetos que recebem incentivos é o “Ring Boxe”, localizado na Zona Leste de Manaus, do saudoso ex-boxeador Pedro Nunes, falecido em junho de 2019.
O projeto voltado para a periferia fez nomes no esporte local como Maria Marreta, que conquistou o título brasileiro de boxe (meio-médio), em 2002, e o boxeador Cássio Humberto, campeão nacional (pesado), em 2007.