A Casa Neon Cunha abriu as portas em 2019 para oferecer à comunidade LGBTQIA+ o que muitas vezes o poder público não consegue, e desde setembro as contas atingiram um estágio crítico. O imóvel, na rua da Defensoria Pública de São Bernardo do Campo, é o lar, atualmente, de 25 pessoas, e atende, em média, outras 15 por dia, entre atendimentos psicossociais, em assessoria jurídica e oficinas.
Por mês, a organização precisa de R$ 50 mil para cobrir os gastos dos serviços que presta, quando somados aluguel, folha de pagamento de funcionários e contas básicas, como alimentação, luz e água. O orçamento ficou mais apertado desde 2021, quando passou a estruturar o imóvel para transformá-lo na residência permanente de pessoas da comunidade. Por enquanto, o espaço vai sobrevivendo com parcerias pontuais de marcas e por indicação da prefeitura da cidade como um local de referência, mesmo sem que a gestão municipal tenha tido interesse em firmar contrato para assegurar recursos.
Segundo o presidente da organização, Paulo Araújo, a maioria dos residentes é negra e do Nordeste. Entre eles, há, inclusive, pessoas que foram expulsas de casa por familiares, e que sofreram violências por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Saber qual o perfil dos integrantes da comunidade no município onde funciona, aliás, é uma das demonstrações de comprometimento com a causa que a Neon Cunha deu, já que tem buscado levantar dados por meio de um censo.
Se a casa quebrar de vez, muitos dos moradores poderão ficar sem um teto. Isso porque o mercado de trabalho não se mostra receptivo a pessoas LGBTQIA+ e os moradores da Neon Cunha, que não são, portanto, exceção, têm dificuldade para conseguir manter uma renda satisfatória, que permita seu sustento fora dela. Há também quem tenha abandonado a vida em situação de rua com a ajuda da organização.
No perfil mantido no Instagram, a entidade faz diversos apelos e tenta emplacar rifas, há meses. “Estamos sem saída. Precisaremos fechar as portas. É quase impossível gerar transformação social sem receber nenhuma ajuda fixa do governo, das empresas ou de outras organizações”, diz uma das postagens.
Na rede social, a organização divulga um balanço do primeiro semestre deste ano, que ajuda a dimensionar o alcance de sua atuação. Ao todo, foram servidas 18 mil refeições, realizadas 58 retificações de nome e gênero e formadas 30 pessoas no projeto Trans-formação, em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU).
“As pessoas discutem o processo sem que a gente participe”, disse Araújo, em entrevista à Agência Brasil, quando perguntado sobre o que falta melhorar, em relação às políticas públicas voltadas aos LGBTQIA+.
Nesta quinta-feira (7), o governo federal anunciou a criação do Programa Nacional de Fortalecimento das Casas de Acolhimento LGBTQIA+, que funcionará no âmbito da Estratégia Nacional de Enfrentamento à Violência contra Pessoas LGBTQIA+. O programa Acolher+ terá como público-alvo pessoas com idade entre 18 e 65 anos em situação de abandono familiar e deve priorizar quem tiver outros marcadores sociais, além de pertencer a essa comunidade, como os de raça e etnia, classe, gênero, religiosidade e deficiência.
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania comprometeu-se a publicar critérios de adesão ao programa, válidos para instituições públicas e privadas, em até 120 dias. A pasta deverá instaurar um comitê para acompanhar as ações desenvolvidas dentro do programa, no mesmo prazo.