O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) deve divulgar na próxima quinta-feira (31) um relatório sobre a Operação Escudo, ação da Polícia Militar em Guarujá, no litoral paulista. O documento traz relatos de “violações gravíssimas”, que envolvem execuções sumárias que teriam sido praticadas durante a operação, como antecipou à Agência Brasil, o presidente do conselho, André Carneiro Leão.
“Nós ouvimos relatos de execuções sumária. Casos de pessoas que eram conduzidas para becos, vielas, e, ali, executadas. Ouvimos relatos de mortes de pessoas inocentes, que eram trabalhadores. Ouvimos o caso de uma pessoa, em que o patrão dela relata as circunstâncias que essa pessoa teria sido morta”, revelou Leão.
Os membros do conselho coletaram os relatos nos dias 14 e 15 deste mês em visita ao município. O relatório será divulgado em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
Até o momento, 22 pessoas foram mortas pela polícia durante a operação, que está em andamento e teve início após a morte do policial Patrick Bastos Reis, das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), da Polícia Militar, em 27 de julho. De acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo (SSP), as mortes ocorreram em confronto de supostos criminosos contra as forças policiais.
Para o representante do órgão, a operação policial apresenta diversos problemas, a começar pelo total de mortos, o que “demonstra fracasso”.
Caixões fechados
Há ainda violações relacionadas às famílias das pessoas que morreram durante a ação. Segundo o presidente do conselho, os relatos apontam para falta de acesso a informações sobre as circunstâncias das mortes e até a impossibilidade de identificação dos corpos.
“Ouvimos alguns relatos que nos chocaram bastante em relação a forma como os familiares dessas vítimas foram tratadas logo após o fato. Tinham dificuldades de acesso à informação. Os corpos em caixões lacrados, sem a possibilidade de fazer o reconhecimento de seus familiares. Enterravam essas pessoas sem saber se, efetivamente, se tratavam de seus familiares”, acrescentou a respeito das denúncias que devem constar no relatório.
Após a coleta das informações, Leão diz que tentou, sem sucesso, se reunir com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e com o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, para tratar das denúncias.
“Nós vamos cobrar uma apuração rigorosa da atuação da polícia nesses casos. Estamos em contato com o Ministério Público, que é responsável pelo controle externo da atividade policial, e vamos monitorar essas investigações para que haja responsabilização daquelas pessoas que se excederam”, acrescentou.
Enquanto isso, de acordo com Leão, o conselho tem buscado formas de proteger as famílias que fizeram as denúncias. “De imediato, a nossa preocupação é com a proteção e com a garantia de direito dessas pessoas”, ressaltou.
Informações contraditórias
Uma delas é Corina*, que teve o irmão morto em uma ação classificada como confronto pelos policiais militares que registraram o boletim de ocorrência (BO).
No entanto, ela aponta diversas contradições entre a versão apresentada por esses policiais e o laudo do Instituto Médico legal (IML), em que seu irmão, além do tiro fatal recebido no queixo, estava com o fêmur e o braço quebrados devido a outros disparos. “O policial diz que ainda saiu em perseguição atrás dele e que ele ainda portava arma. E no laudo diz que o braço dele estava quebrado. Não teria como ele correr com a perna quebrada. Não teria como segurar a arma com o braço quebrado, com tiro no braço”, contou em entrevista à TV Brasil.
Além disso, Corina garante que o irmão vivia em situação de rua em São Paulo e não teria meios para chegar em Santos, onde teria ocorrido a morte.
O presidente do conselho relatou ainda sobre o caso de um homem apontado como um “grande traficante” de drogas, porém se trata de uma pessoa em situação de rua e que não tinha condições financeiras condizentes a de um criminoso com poder no mundo das drogas.
“Ele foi morto em uma comunidade completamente alheia, em um local ermo, que ele não frequentava. A própria comunidade dizia que não o conhecia daquela região, que nunca o tinha visto naquela região. E pelas próprias condições em que houve a morte e o boletim de ocorrência registrado eram incompatíveis com a vida que a família dele relatava. A pessoa em situação de miséria, sem condições de comprar nada, muito menos ser considerado um grande traficante”, disse Carneiro.
Governador defende operação
Nesta segunda-feira (28), o governador Tarcísio de Freitas defendeu a atuação da polícia na Baixada Santista.
“A gente não quer o confronto, não quer de jeito nenhum. O confronto não é desejável. Agora, a polícia também não pode ser confrontada. Ela tem que ter o respeito em fazer as suas operações como elas têm que ser feitas. Ela tem suas regras de engajamento. A nossa polícia é extremamente capaz, bem treinada e está fazendo o máximo para proporcionar a segurança pública para a população”, disse.
O governador também chamou atenção para o número de pessoas presas durante a Operação Escudo. “Desses 650 presos, 245 [eram] foragidos da Justiça. Ou seja, 245 pessoas com mandado de prisão em aberto, foragidos da Justiça, andavam tranquilamente por Guarujá e foram capturados nessa operação”, acrescentou.
Relatório elaborado pela Defensoria Pública de São Paulo e divulgado no último dia 18 mostrou que 90% das pessoas presas em flagrante durante a Operação Escudo estava desarmada. Além disso, em 67% dos casos não houve apreensão de drogas. Outro dado observado pela defensoria é que mais da metade dos detidos (55% do total) eram réus primários.
O relatório apontou ainda que sete em cada dez pessoas que foram presas em flagrante na operação têm entre 18 e 34 anos e 60% se declaram pardas.
A reportagem da Agência Brasil entrou em contato com a SSP sobre as denúncias recebidas pelo CNDH e aguarda resposta.
*Nome fictício para proteger a identidade da entrevistada