Uma mulher perdeu a visão do olho direito após ser agredida por um vizinho com um facão, em Macaé, no Norte Fluminense. A manicure Bruna Domingos Braz, de 38 anos, conta que estava ouvindo o samba da Acadêmicos do Grande Rio, escola campeã do último Carnaval, quando foi atacada. O motivo, segundo ela, seria intolerância religiosa, pois o samba exalta Exu, tema da agremiação de Caxias.
O caso ocorreu em 23 de abril deste ano, quando a manicure estava celebrando o dia de São Jorge. Bruna afirma ter sido atingida pelo homem, identificado como Valdemir Serra Souza, vulgo Val Cabeça, que bebia em um bar na frente de sua antiga casa. De acordo com a vítima, o vizinho teria se incomodado com o samba, que aborda as diversas manifestações e representações de Exu, exaltando a força das religiões de matriz africana.
Candomblecista, a manicure conta que realizava um churrasco dentro de sua garagem com o marido, o irmão e a cunhada. Naquele momento, ouvia junto com o marido, além de pagodes, o samba da Grande Rio. Ela conta que a intolerância começou assim que o marido, André Alves, 32, foi ao bar, conhecido como Depósito do Russo, comprar cervejas. Na volta, Bruna teria notado que mesmo saindo feliz, André voltou para casa com uma expressão diferente no rosto.
“O ‘abençoado’ falou em voz alta que ‘naquela casa ali [casa da Bruna] não sabe o que eles são, se são macumbeiros ou pagodeiros’. Meu marido virou as costas e não falou nada. Dentro de casa, ele respondeu que não tinha nem o direito de ouvir a música que queria. Perguntei o que houve e ele contou do homem no bar”, explica a vítima, que afirmou ter continuado a ouvir as músicas sem abaixar o volume, já que era por volta de 16h30.
Depois de mais ou menos duas horas, o companheiro de Bruna retornou ao bar para comprar mais cerveja, sem lembrar do que havia acontecido mais cedo. Mas dessa vez os cachorros da raça pitbull do casal seguiram o tutor e, por isso, Bruna foi atrás. “Quando meu marido chegou, o homem repetiu ainda mais alto aquela frase. Eu perguntei a ele qual era o problema de eu estar em casa e não poder ouvir o que queria. Ele veio apontando o dedo para o meu rosto, vindo para cima de mim, e meu marido, segurando os cachorros, pediu para que ele me respeitasse”, acusa.
A manicure afirma que o irmão, Vitor Hugo, 40, ouviu a discussão e foi apartar para evitar uma briga. “Ele pediu para meu marido voltar para casa com os cachorros. Nisso, o rapaz acabou tropeçando e caiu sentado, mas sem bater as costas, porque ele não foi empurrado. Após se levantar, ele disse que ia em casa e voltava”, revela a manicure, que, apesar de morar há dois anos naquela rua, afirma nunca ter visto Valdemir por ali.
“Até o momento, minha preocupação eram os cachorros. Meus vizinhos, que têm a parede colada à da minha casa, são evangélicos e nem por isso se incomodaram. Quando virei as costas para sair do bar, só escutei minha cunhada gritar: ‘Bruna, olha para trás’. Ele veio com um facão, jogando de um lado para o outro”, detalha. Ao tentar defender a irmã buscando tirar o facão da mão de Valdemir, Vitor Hugo quase foi acertado no pescoço. Tentando apaziguar o briga, a manicure foi acertada em cheio no lado direito da face.
Ela foi socorrida na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Lagomar e encaminhada em seguida para o Hospital Público Municipal de Macaé. Segundo laudo médico, a vítima sofreu um trauma perfuro cortante, que ocasionou lesão profunda na têmpora direita e fratura do osso. A manicure também teve ferimentos na córnea. Ela passou por uma cirurgia de evisceração, ou seja, remoção do conteúdo ocular, em 24 de abril, e teve alta no mesmo dia. Desde julho, Bruna faz tratamento no Hospital do Olho, em Caxias, para colocar uma lente de vidro.
Manicure há 17 anos, Bruna não conseguiu voltar a exercer a profissão desde o ocorrido. “Por minha profissão exigir foco, tenho dor de cabeça forte. Ver minha vida parada hoje me dói tanto”, lamenta. Ela conta, ainda, ter sido chamada na delegacia somente para reconhecer a foto do homem.
Nas redes sociais, a escola de samba Grande Rio disse estar “estarrecida” com o caso. “A intolerância religiosa precisa ser combatida com todo o rigor da lei. Nos solidarizamos e nos colocamos à disposição da Bruna para qualquer apoio necessário”, informou a agremiação em nota.
Há dois meses, Bruna, que torce pela Grande Rio e pelo Salgueiro, e o marido se mudaram para uma outra rua. “Parece que a ficha está caindo agora. Toda vez que eu abria o portão, o bar era de frente. Fiquei meio traumatizada”, diz Bruna. “Já trabalhei em escola de samba, quando morei no Rio, e nem por isso vivi essa intolerância, essa ignorância. Me sinto péssima de querer acreditar ainda que perdi a vista por conta de uma música.”